MOVIMENTO

Iminente flexibilização do uso de benzeno ameaça trabalhadores

Sindicalistas se movimentam contra articulação dentro do próprio Ministério do Trabalho para uso mais permissivo de substância causadora de leucopenia
Por Marcelo Menna Barreto / Publicado em 17 de outubro de 2024

Iminente flexibilização do uso de benzeno ameaça trabalhadores

Foto: Sindipetro/Divulgação

Foto: Sindipetro/Divulgação

Articulações que buscam a flexibilização do Acordo Nacional sobre o Controle do Benzeno ameaçam a segurança de trabalhadores que têm contato intensivo com essa substância altamente tóxica e cancerígena. As centrais sindicais, federações e sindicatos de categorias expostas ao composto químico estão em plena mobilização e usam como principal palavra de ordem “Não existe risco Zero”.

Para entender o caso é importante voltar no tempo. Em 11 de março de 1996, em pleno governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB) – com o apoio de instituições científicas como a Fundacentro e a Fiocruz – foi batido o martelo para o acordo que ficou conhecido no setor químico como a Lei Nacional do Benzeno, que estabeleceu uma série de restrições e medidas protetivas aos trabalhadores.

Hoje, porém, a ameaça vem de quem menos as lideranças sindicais esperavam: parte de representantes do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assentados na Comissão Tripartite Paritária Permanente (CTPP).

A comissão é composta por representantes e técnicos do Governo, (que inclui os ministérios do Trabalho, da Saúde e da Previdência), do empresariado e dos trabalhadores.

A CTPP tem por objetivo discutir e propor soluções para questões relacionadas à segurança e saúde no trabalho.

“Estão fazendo a proposta nefasta de se estabelecer um limite de exposição ao Benzeno e acabar com o VRT”, denuncia o diretor do Sindicato dos Petroleiros do Rio Grande do Sul (Sindipetro-RS) Anderson Santos Medeiros.

Iminente flexibilização do uso de benzeno ameaça trabalhadores

Foto: Nara Roxo/Divulgação

Manifesto realizado no dia 11 de outubro, na Superintendência Regionais do Trabalho (SRTE/RS), onde foi entregue ao superintendente Claudir Nespolo, o Informativo Especial sobre o Benzeno

Foto: Nara Roxo/Divulgação

VRT X LEO

O VRT é a sigla do Valor de Referência Tecnológico. O índice é um dos elementos fundamentais que foi incorporado à Lei Nacional do Benzeno.

Ele figura no Anexo 13 da Norma Regulamentadora nº 15 (NR-15) que fala sobre as atividades e operações laborais insalubres. As NRs remontam o ano de 1978, quando por meio da Portaria 3.214 o Ministério do Trabalho estabeleceu normas sobre questões de saúde e segurança.

O VRT estabelecido no Acordo Nacional sobre o Controle do Benzeno é de 0,2 partes por milhão (ppm) de Benzeno no ambiente de trabalho. Esse valor foi definido como um parâmetro de controle rigoroso para minimizar a exposição funcional a essa substância que tem um histórico de doenças incuráveis e letais entre trabalhadores do setor petroquímico.

De fato, o VRT não se refere a um limite seguro de exposição. A ciência já deixou claro que não há um nível considerado totalmente seguro de contato com o benzeno.

Assim, o VRT é um indicador de que medidas tecnológicas e de proteção devem ser implementadas em determinado ambiente para evitar qualquer contato com o composto químico.

A proposição que circula na CTPP advoga o estabelecimento do que está denominado de Limite de Exposição Ocupacional (LEO). Para os representantes dos trabalhadores na comissão, é uma proposta disfarçada para um Limite de Tolerância que saltará dos atuais 0,2 ppm para algo em torno de 0,5 a 0,6 ppm.

 Política remanescente do governo Bolsonaro

Gerson Cardoso, dirigente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Petroquímicas de Triunfo (Sindipolo) integra a bancada dos trabalhadores na CTPP é o representante da CUT Nacional ao lado de outras centrais.

Para ele, são técnicos ainda alinhados ao pensamento do governo anterior que estão por trás do LEO.

“Técnicos remanejados, na ocasião do governo Bolsonaro, do Ministério do Trabalho que foi extinto para criação do superministério da Economia de Paulo Guedes”, revela Cardoso.

Segundo o dirigente sindical, a questão não é consensual entre os representantes do governo federal na CTPP. “O Ministério de Saúde já questionou e não concorda; o pessoal da Fiocruz que está ali na comissão é veemente contra esse LEO para o Benzeno”, destaca Cardoso.

Para Medeiros, o posicionamento dos técnicos que voltaram para o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) está fazendo a alegria dos setores empresariais. “A patronal sempre desejou isso”, fala.

De acordo com o dirigente do Sindipetro-RS, “estava tudo se encaminhando para que ocorresse como eles desejavam”. Só que as centrais sindicais se mobilizaram e estão fazendo várias ações como uma reunião realizada na semana passada com o ministro do Trabalho Luiz Marinho (PT), atos e debates científicos na Fundacentro e na Fiocruz.

Também na semana passada, no dia 11 de outubro, dirigentes sindicais gaúchos entregaram ao titular da Superintendência Regional do Ministério do Trabalho e Emprego no Rio Grande do Sul um informativo especial que aponta o grande retrocesso no estabelecimento de um limite de tolerância ao Benzeno para categorias beneficiadas pelo VRT.

“Continuaremos até que a bancada do governo progressista que aí está mude seu entendimento e não imponha esse retrocesso histórico aos direitos dos trabalhadores expostos ao Benzeno”, declara Medeiros.

Governo Bolsonaro iniciou ataque

O ataque institucional por parte do governo federal ao Acordo Nacional sobre o Controle do Benzeno remonta o primeiro ano do mandato de Jair Bolsonaro na presidência da República.

Foi em agosto de 2019, lembra Cardoso. “Com uma canetada”, diz, o então presidente acabou com a Comissão Permanente Nacional do Benzeno  (CPNBz).

A CPNBz é um órgão colegiado tripartite que figura no Acordo Nacional sobre o Controle do Benzeno. Ao seu lado ainda trabalham as Comissões Estaduais do Benzeno (CEBz) e as Comissões Internas de Prevenção de Acidentes do Benzeno (CIPABz).

O governo Lula já anunciou a retomada para o ano de 2025 de todas essas comissões que trabalham de forma articulada para garantir atuação e fiscalização contínua dos  ambiente de trabalho expostos ao Benzeno.

Cardoso lembra que as mais diversas categorias de trabalhadores brasileiros se empenharam para a não reeleição de Bolsonaro exatamente para que voltassem a ser considerados nas políticas governamentais e pela democracia no país.

Para ele, não há dúvidas de que há uma diferença abismal entre os governos Lula e Bolsonaro. No entanto, registra que as centrais sindicais não deixarão de denunciar os movimentos que estão sendo feito por representantes do MTE na CTPP para uma possível flexibilização na política de se evitar ao máximo à exposição ao Benzeno.

O Benzeno está em quase tudo

 Hidrocarboneto fundamental da química orgânica, o Benzeno é utilizado como matéria-prima para praticamente tudo que está no dia a dia do mundo. De plásticos à borracha sintética; da gasolina às tintas.

Mesmo essencial, ele continua sendo motivos de preocupações. Ao lembrar que ainda há categorias de trabalhadores como frentistas e funcionários de distribuidoras de combustíveis que não são contemplados pelo VRT, Cardoso ressalta que qualquer acordo na CTPP só pode vir para melhorar as condições de segurança nos ambientes expostos ao Benzeno.

Benzeno gera contaminação silenciosa e causa leucopenia

Diretora de Segurança, Meio Ambiente, Saúde e Novas Tecnologias da Federação Única dos Petroleiros (FUP) e presidente do Sindipetro-RS, Miriam Ribeiro Cabreira, registra que o Benzeno trás consigo uma contaminação silenciosa que se manifesta quando o trabalhador exposto se aposenta ou está no fim da sua vida laboral.

“A principal doença causada pelo Benzeno é a leucopenia”, aponta. A leucopenia é caracterizada pela redução do número de leucócitos (glóbulos brancos) no sangue que ficam abaixo dos níveis normais.

Um câncer na medula por exposição ao Benzeno leva à leucopenia, explica Miriam. O paciente convive até sua morte com infecções frequentes, febres recorrentes, fadigas e fraquezas, calafrios e suores, inflamações e vermelhidões, dores de cabeça, aftas e feridas na boca e problemas gastrointestinais.

José Francisco Russo Osório, petroleiro aposentado e hoje diretor de base do Sindipetro-RS, já foi o primeiro diretor de saúde e meio ambiente da entidade.

Ele relata que “lamentavelmente” viu de perto inúmeros casos de trabalhadores que chegaram à morte em condições deploráveis por causa da exposição ao Benzeno.

Osório lembra o exemplo de um amigo pessoal. Jaime Ferreira, dirigente sindical dos petroleiros no Paraná.

“Adoecido, com câncer, ele foi buscar trabalhadores terceirizados contratados para combater o vazamento que houve lá no Rio Paraná em 2000. Eles estavam com algum EPI (Equipamento de Proteção Individual), mas entrando dentro do rio, recolhendo o produto que estava vazado. Um trabalhador ficou tetraplégico, teve doença neurológica e ficou tetraplégico; o outro, com leucemia, morreu em 2010”, relata.

Patrões querem economizar em contribuições adicionais da Previdência

Por trás de toda a movimentação para flexibilizar a Lei Nacional do Benzeno, Osório vê interesses para o não pagamento de contribuições adicionais para a aposentadoria especial de trabalhadores que têm contato com produtos químicos.

“É puramente financeiro. Eles (patronal) querem a tolerância porque aí eles, em suas avaliações ambientais, em um dia de umidade, de chuva e até dependendo da hora e das condições de vento, podem mascarar resultados”, entende.

Nessas condições, acredita, as avaliações podem chegar próximo ao tal LEO pretendido. “Deu não detectável, vão dizer, mas ‘vocês (trabalhadores) têm que usar máscara’. Até faz o trabalhador julgar que está sendo prejudicado porque tem que usar uma máscara durante oito horas”, indigna-se Osório.

O resumo da controvérsia que paira no CTPP para os representantes dos trabalhadores é que voltar ao passado, em uma época que, nas palavras de Osório, “o pessoal nem sabia porque adoecia e morria”, não dá.

Jaime Ferreira, o sindicalista que socorreu trabalhadores no Rio Paraná morreu de câncer em 2007. Ele tinha uma frase: “Benzeno é flor que não se cheira”.

 

 

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