OPINIÃO

Intelectuais transformadores

Osvaldo Biz / Publicado em 8 de setembro de 1997

“Todos os homens são intelectuais; mas nem todos desempenham na sociedade a função de intelectuais”
(Antônio Gramsci)

No mês de outubro, quando o professor comemora o seu dia, no qual alguns discursos interesseiros e hipócritas exaltam o magistério, é oportuno pensar e repensar sobre o papel fundamental desta classe frente a uma sociedade em mudança.

Muitos educadores, em seus escritos ou na sua prática, têm insistido no cultivo de uma consciência crítica, em contraponto a uma consciência ingênua, conformista, fatalista, indiferente. Sem dúvida, é triste a resignação diante daquilo que nos é passado como inevitável.

O pedagogo Paulo Freire afirma que o grande tento marcado pelos desfortunados é a descoberta de que a atual ordem do mundo pode ser mudada, uma vez que ela foi construída para satisfazer às necessidades e interesses de um grupo minoritário. Não aceitar o mundo como imutável é o primeiro passo e desafio de alguém que quer exercer um trabalho de transformação. (FREIRE, Paulo, BETTO, Frei. ESSA ESCOLA CHAMADA VIDA. São Paulo, Ática, 1994, p. 16).

O que caracterizaria tal trabalho? Sem dúvida, a denúncia das injustiças da sociedade, sabendo, já de antemão, que tal exercício provocará as iras, pressões e desagrado de muitos, cuja a segurança é a manutenção de seus privilégios. Para isto, alerta o sociólogo Edgar Morin, o intelectual deve querer sobreviver e viver como intelectual, sem engajamento partidário, distanciando-se da sociedade que examina, para que as variadas formas de pressão não o fragmentem. (MORIN, Edgar. PARA SAIR DO SÉCULO XX. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1981, p. 253).

Trata-se “de viver com conhecimento de causa, de não mais aceitar tacitamente as análises econômicas e políticas que passam por cima dos fatos, que só os mencionam como elementos ameaçadores, obrigando a medidas cruéis, as quais se tornarão ainda piores se não fossem aceitas com toda submissão”, afirma Viviane Forrester em seu livro “O Horror Econômico”. (FORRESTER, Viviane. O Horror Econômico. São Paulo, Unesp, 1997, p. 144).

E quais são estas análises? Elas podem ser sintetizadas nas palavras como globalização, neoliberalismo, competitividade, privatização, desregulamentação, que representam uma adesão generalizada às teses do momento, que significam a postura do capitalismo frente às dificuldades que vive desde a década de 70 e que conduzem à exclusão e periferização da maioria.

Não se trata de ser contra as novas tecnologias (microeletrônica, biotecnologia) ou aos processos produtivos (automação, robotização). Ninguém vai ser ludita do século XIX, às vésperas do novo milênio. Estamos defendendo uma nova ordem social que deve acompanhar a Terceira Revolução Industrial.

Quais são os fatos? Dentro do que é o conjunto dos homens, quando se fala em mundialização, estamos falando de uma porção relativamente pequena e privilegiada, diz a educadora Sara Paim. (Jornal Extra Classe, Ano 2, nº 13, julho/97, p. 7.). A aceitação da tese de que o mercado sozinho resolve todos os problemas. A afirmação de que vivemos o Fim da História, restando só o capitalismo como único modelo de organização econômica.

É claro. Não é fácil remar contra a corrente política e econômica do tempo atual. Mas esta é a marca indelével do intelectual-transformador. Isso representa, no mínimo, ser tachado de atrasado, dinossauro, jurássico. Mas o intelectual se caracteriza por sua força crítica, mesmo que isso provoque desgrado.

No dizer de José Comblin, os intelectuais são a única classe transformadora no sentido social, a única que pode contestar o poder das classes dirigentes. (COMBLIN, José. Cristãos Rumo ao século XXI. São Paulo, Paulus, 1996, p. 149).

O exercício da pedagogia da indignação nos dá força para mudar a história. Nada há mais mobilizador do que o pensamento. Daí, em todos os tempos, a luta contra a capacidade de pensar. E, por outro lado, o estímulo à diferença constitui o partido mais ativo, o mais poderoso e que permite adesões maciças a certos regimes. (FORRESTER, Viviane. op. cit., p. 68).

O papel do professor intelectual-transformador é interferir no processo, ou seja, provocar o surgimento de uma nova sociedade, onde haja mais justiça, mais ética, mais oportunidade para todos. Como diz a epígrafe acima citada, nem todos desempenham esta função. Mas para quem a desempenha, todo o dia é dia do professor.

* Osvaldo Biz é jornalista e professor na PUCRS. Porto Alegre.

 

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