OPINIÃO

O julgamento do século

Léo Hélio Dellazzari / Publicado em 7 de outubro de 1997

Estranho caso aquele. Nenhum juiz, por mais experiente que fosse, queria proceder ao julgamento. Incautos, entretanto, propuseram-se a buscar a solução para o impasse, só conseguindo aumentar ainda mais o clima frustrante que existia em função do caso, visto que os debates eram sempre infrutíferos.

Ocorre que do réu, pessoa de aparência física muito próxima do irreal, só se sabia que tinha sido deixado na cidade dentro de uma caixa, juntamente com estas informações: “cometeu um crime bárbaro, hediondo, com requintes de crueldade”. E, partindo destas informações, julgou-se necessário chegar a um veredito, criando-se para isso as mais diversas hipóteses do que teria sido o crime cometido com “requintes de crueldade”.

Um primeiro grupo, o dos entendidos, resolveu julgar o homem por ter feito clonagens do Efeaga e obrigado as vítimas a ficar com o en-tulho. Não houve veredito por não ter sido comprovado se esta atrocidade foi cometida, porque o réu não tinha conhecimentos biogenéticos capazes de reproduzir marionetes, nem se pôde culpá-lo por ter esculpido o figurão porque, depois de exaustivos cálculos dos matemáticos, chegou-se à conclusão que era impossível esculpir a estátua do mascate-mor (a merda disponível na região era pouca). Mas o bandido havia cometido um crime bárbaro, hediondo, com requintes de crueldades, diziam as informações existentes. Era preciso condená-lo.

Outro grupo, os de baixo, aliado aos ecologistas de mesa de bar, decidiu também mostrar serviços e organizou um julgamento, incutindo nas pessoas a idéia de que o réu, na realidade, era mais cruel do que se poderia imaginar. Criou-se então a tese do “Exterminador de Es-pécies em Extinção”. A acusação, começados os trabalhos, acreditou ser possível condenar o de-linqüente por ter liquidado a espécie dos “Ratos-de-rabo preso”, tese derrubada pela defesa com o forte argumento de que os “Ratos-de-rabo preso” não haviam desaparecido, visto que ainda se tem os Malta, os Faria, os Motta, os Bu-lhões, os Magalhães e outros da parte de cima ainda em plena atuação. Também foi derrotada a acusação quando tentou condenar alegando que o réu havia exterminado a espécie dos “Jegues Quadrados”. Não houve veredito porque não aconteceu a extinção destes quadrúpedes, tanto que se tem em Brasília o “Jegue Quadrado-mor e muitos outros que acreditam no “jegão”. Mas o homem havia cometido um crime bárbaro, hediondo, com requintes de crueldade, diziam as informações existentes. Era preciso condená-lo.

Desesperados com a possibilidade de o réu permanecer impune, várias reuniões foram feitas e nelas só havia uma preocupação: que argumento usar para condenar o criminoso? Como última tentativa, curiosos e não curiosos convergiram à idéia de culpar por crimes de roubo do patrimônio público, usando argumentações que citavam desde desvios na Previdência, no FGTS, perdão de dívidas dos latifundiários, incentivos a empresas (maiores que os próprios investimentos das mesmas), depósitos no exterior até a questão dos precatórios. Esta idéia não encontrou ressonância por ter sido provada a impossibilidade de o réu fazer isso. Estava impune e a impunidade só pode ser usada pelo bando dos “Ratos-de-rabo preso”. Mas o homem havia cometido um crime bárbaro, hediondo, com requintes de crueldade, diziam informações existentes. Era preciso condená-lo, portanto.

De repente, um destes “iluminados” da igreja do picareta Macedo interferiu sugerindo que o indivíduo fosse condenado por heresia. Novamente a defesa descriminou o sujeito alegando que o mesmo conhecia muitas passagens bíblicas, tanto que chamava o governador, o presidente e outros neoliberalistas de “Os Cavaleiros da Porcalhice”, e o caso permanecia sem solução.

Nada mais havendo a fazer, só restou uma saída: consultar o mais velho e experiente intermediador de questões desta natureza. O ancião, pessoa conhecida por seu equilíbrio e sensatez, propôs-se a julgar o caso. Munido do necessário, fez a análise e, apesar dos veementes protestos da Comissão de Direitos Humanos, determinou, revogando disposições em contrário, que o réu, por ter praticado um crime bárbaro, he-diondo, com requintes de crueldade (conforme informações existentes) teria que cumprir a pena em regime perpétuo e irredutível. Para delírio dos curiosos o sábio proferiu a setença final: “o réu será professor e viverá com o salário pago pelo Britto.

Começou-se a pensar que o ancião tinha propensões suicidas.

* Léo Hélio Dellazzari é professor e coordenador da Secretaria de Organização da 1ª Delegacia Regional do Sinpro/RS, em Passo Fundo.

Comentários

Siga-nos