Um jornal mensal, como Extra Classe, experimenta constantemente o desafio de produzir matérias adequadas a esta periodicidade. Por esta razão, especialmente suas reportagens de capa, tratam de grandes temas, ou bem gerais ou bem específicos. Sob pena de se tornar inócuo, um veículo que circula a cada 30 dias não pode simplesmente noticiar, como fazem os diários, as rádios e televisões. O fato cotidiano é para a Redação de Extra Classe um referencial e uma matéria-prima para detectar tendências. Portanto, uma das possibilidades que orientam a pauta do jornal é a identificação de fenômenos ou elementos factuais suscetíveis de reflexão mais extensa e interpretação. Em outra categoria encontram-se as datas históricas específicas, em alguns casos, ignoradas pelos grandes meios de comunicação social. A questão derradeira de um veículo como Extra Classe é conseguir abordar com alguma originalidade um tema universal, datado e de interesse geral óbvio.
Nestes casos uma das alternativas é antecipar a matéria. Mas isso nem sempre é compatível com a agenda e o processo de trabalho. Este é o dilema enfrentado na reportagem de capa desta edição. Quando decidiu-se a matéria sobre o Maio de 68, em fevereiro passado, sabia-se que em muitos dias deste mês chegariam aos leitores, não só do Brasil mas em âmbito internacional, exames críticos sobre esta explosão que sacudiu, talvez não toda a humanidade, mas com certeza os principais paradigmas da política no mundo. Extra Classe vislumbrou abordar Utopia balzaquiana, pela perspectiva do enfoque particular, traçando uma espécie de itinerário humano e geográfico da rebeldia em Porto Alegre.
Os protagonistas sociais deste episódio na cidade tornaram-se, durante este maio de 1998, objeto de absoluto assédio da imprensa local. A Redação teve algum espaço para reorientar o trabalho e buscar um mínimo de singularidade nesta reportagem que apresenta algumas surpresas. Alguns hoje cinqüentões irão se reencontrar com lembranças de lugares, intenções, diálogos e até recordar palavras não ditas. Aquele maio transbordante de expectativas, sob uma paisagem urbana de sol outonal, neste cantinho no Sul do mundo, sugeria promessas cálidas de revolução permanente, prazer e até felicidade. Alguns jovens saberão que existiu um maio muito diferente deste que estamos vivendo em 1998. Outros vão descobrir que, também por aqui, outros jovens escreveram essa História entre paralelepípedos, trilhos de bondes elétricos e um beijo ardente. Parafraseando o poeta português, também nesta Rua da Praia, nesta Esquina Maldita, nesta Livraria Coletânea, pronunciou-se a palavra Revolução.
O moderno Fernando Pessoa sabia que navegar é preciso, viver não é preciso. E esta seguramente foi uma percepção essencial naquela ruptura que tornou a política menos esquemática e institucional, que reconciliou desejo e razão, demonstrando a imprecisão da vida. Ainda hoje muitos atribuem a frustração posterior daquelas utopias ao caráter fragmentado do movimento, à sua falta de plataforma tática e estratégica. Não se pode afirmar que a conduta das organizações tradicionais da esquerda e as que emergiram depois, com suas regras e totens – renegando, talvez, o sentido mais eloqüente da práxis que predominou no Maio de 68 – obteve êxito maior. Por isso mesmo, 30 anos depois, o Maio de 68 provoca ambivalências e refaz perguntas ainda não respondidas. A História encarregou-se de reiterar que a rebeldia, a pluralidade, a dúvida, a inquietude ainda são antídotos poderosos para evitar os riscos humanos e políticos de expressões ideológicas fundantes do neoliberalismo, como o pensamento único, distante mas legítimo parente de universalizações que se reivindicavam dialéticas.