Vamos assistir, ou vamos participar das mudanças e transformações que envolvem homem e mulher no nosso mundo atual? Se permanecermos como meros espectadores, o que é quase impossível, estaremos provavelmente entorpecendo nossos sentimentos para evitar a infelicidade e aí, talvez paradoxalmente, seremos mais infelizes. Então, o que fazer?
Antes de responder a essa questão, é preciso refletir mais, e, mesmo que de maneira esquemática, traçar um panorama da situação da mulher no decorrer da história e que de alguma forma ainda perdura, em alguns aspectos. Façamos uma interpretação livre do pensamento de Heloneida Studart:
• Mulher: Fêmea do homem
• Seu emprego: O marido
• Seu corpo: Máquina de botar ovos e dar leite
• Sua liberdade: O Sagrado lar
• Sua sexualidade: A dupla moral machista
Este foi o contexto em que se iniciou o movimento feminista na década de 60. Após quase 30 anos de uma revolução cultural que provocou mudanças radicais nos tradicionais papéis masculino e feminino, já podemos parar e fazer algumas avaliações:
Como está sendo a conquista da tão desejada igualdade entre homem e mulher? O quê ganhamos com isto?
Penso que ainda estamos vivendo no turbilhão das mudanças e com elevados preços a pagar. Mas também percebo que em alguns pontos já estamos no caminho da evolução.
Este final de século está sendo marcado pela luta dos povos oprimidos e também pela luta das mulheres conscientes. Após o famoso marco da queima dos sutiãs nos anos 60 e da liberação sexual quase que sem limites, podemos agora não só assistir, mas principalmente sentir o processo de digestão de tudo o que ingerimos nestas três últimas décadas. E, quando digo “nós”, estou me referindo não apenas às mulheres, mas também aos homens, pois estes querendo ou não, também estão vivenciando os fenômenos da transformação que o processo de luta das mulheres tem desenvolvido.
Portanto, homens e mulheres, como num caleidoscópio, vêm-se revirando num processo contínuo de mutação onde o pai hoje pode ser “pãe” e onde a mãe não pode e não deve mais ser “supermãe”.
A cabeça da família não está mais, necessariamente, no masculino, pois até o famoso “leão” da receita já sacramentou que a mulher também poderá ocupar este lugar.
Os papéis da mulher não se resumem mais no famoso slogan “esposa do meu marido e mãe dos meus filhos”.
Todavia, enquanto não se estabelecerem complementaridade e equivalência das diferenças naturais entre homens e mulheres, estes correrão o risco de se tornarem ou continuarem a ser alienados e eternos competidores. E é a partir da década de 80 que a ideologia feminista igualitária, que vinha perdurando desde os anos 60, começa a dar sinais de cansaço e a feminilidade ganha terreno.
Monique Hérbrad, em seu livro “Mulher e Homem – uma aliança do futuro”, cita que “em fevereiro de 1981 a célebre revista francesa F Magazine, porta-voz do feminismo, muda seu nome para Le nouveau F, depois de um estudo de mercado ter revelado que o feminismo não ditava mais regras e que as mulheres estavam cansadas dele”.
Também a feminista e escritora francesa Cristiane Fouxer declarou sobre a sua antiga militância feminista: “Várias facções do meu corpo disputavam a hegemonia. O espírito de análise desafiava meu coração e a combatividade cedia a uma irresistível vontade de rendição”.
E foi a própria Betty Friedan quem admitiu seu erro: “Acredito que certos fatos que pensávamos serem nossas vitórias não passaram de ilusões”.
Parece-nos que as mulheres estão retornando de muito longe… e felizmente não se perderam e estão aí marcando presença no novo tempo que surge. Mas a libertação da mulher não ocorrerá sem a libertação do homem, pois uma substância autoritária permeia toda a nossa estrutura social e vai se reproduzindo, principalmente através da educação e sempre atendendo ao interesse da opressão social e da dominação econômica, independentemente do sexo.
Vale lembrar que a Comissão Jurídica e Social da Mulher, criada pela ONU em 1946 para a promoção dos direitos da mulher, concluiu que a eliminação desses problemas “só será conseguida com a mudança de mentalidade nos dois sexos”.
E então o que fazer?
Diante do cotidiano cheio de contradições, espera-se que as mulheres e os homens, principalmente as novas gerações, tenham menos dificuldades, e que o verbo colaborar, muito usado pelas mulheres para expressar a participação masculina em trabalhos domésticos, seja substituído pelo verbo compartilhar ou co-participar.
A diferença entre o significado dos verbos, como são aqui utilizados, reside principalmente na cumplicidade e na divisão de responsabilidades que os últimos expressam e que o primeiro (colaborar) não contém.
Apesar de todas as dificuldades culturais que homem e mulher enfrentam para reverter este quadro, já podem identificar fatos que nos mostram os primeiros passos de uma era de reconciliação entre o masculino e feminino que existe em todos nós:
• as ideologias começam a arrefecer e a militância – ação sobre as estruturas – recua em benefício da mutação – ação prioritária sobre o coração do homem.
• a retomada da identidade sexual, onde os homens buscam o que é realmente ser homem e a mulher sente vontade de ser mulher, de amarem-se como tais e desenvolverem a integração harmoniosa do masculino e feminino que existem em cada um de nós.
• a busca de espaços de reflexão e discussão sobre esta mulher, afim de que possam ajustar-se às diferenças e igualdades de cada ser humano. Vale lembrar que este artigo já é fruto de um debate entre casais sobre o assunto.
• a nossa pretensão, ao expor estas idéias, é a de contribuir para uma reflexão “a dois”, entre homem e mulher, afim de conseguirmos enfrentar e até neutralizar as influências de idéias retrógradas que nos dificultam o desempenho dos papéis sociais e profissionais exigidos pelo mundo atual.
Para finalizar, deixo as palavras de Roger Geraudy, citadas por Monique Hérbrad: “A revolução cultural de todos os tempos será aquela que substituirá uma estrutura e uma cultura elaborada há milênios, pela metade masculina da humanidade, por uma estrutura e uma cultura que serão obra da humanidade como um todo, nas suas componentes feminina e masculina”.
*Lenir Rech é Assistente Social – Brasília