OPINIÃO

Direito ou Serviço?

Publicado em 2 de junho de 1998

O Estado Brasileiro – como todos os outros – se desenvolveu como uma estrutura para realizar os interesses da classe dominante. Ocorre que, da Colônia ao Império, do Império à República, sempre foi instrumentalizado pelos poderosos de uma forma singular. Não apenas sonegando à maioria da população ou às classes populares direitos elementares – consagrados em Nações a que o Brasil pretendia se igualar. Mas tratando a coisa pública como extensão da propriedade privada, aliás, instituída a partir das próprias doações do Estado.

Mas não foi só a oligarquia rural que emergiu à sombra, proteção e patrocínio do Estado. A denominada burguesia nacional também constituiu-se com os préstimos do Estado. É possível afirmar que a doação de terras à época das capitanias hereditárias corresponde aos incentivos fiscais, isenções e empréstimos subsidiados, que sustentaram a consolidação de grandes empresas, principalmente no pós-guerra e no período da ditadura militar de 64.

Sistematicamente, a ideologia do poder sempre negou na prática a retórica adotada no plano oficial e cultural. O país conviveu sem problemas com o discurso liberal e o modo de produção escravista. Assim como conviveu com o protecionismo à economia nacional e com a idéia de livre concorrência. De contradição em contradição, o Estado Brasileiro foi um agente indispensável na configuração da base econômica do país, atuando em setores essenciais como a infra-estrutura, o energético, as telecomunicações, através de organizações estatais.

No final dos anos 80, o vetor muda de direção com a justificativa da abertura econômica, da livre concorrência e do Estado mínimo. Tudo começou com a derrubada da reserva de mercado na área da informática e computação, mas logo a tendência se proliferou, inclusive com o sacrifício de inúmeros setores econômicos, geradores de postos de trabalho, tributos e renda.

Aqueles que cresceram contando com tarifas subsidiadas por estatais e demais benesses do Estado Brasileiro, provocando, de fato, sua hipertrofia, passaram a alvejá-lo como o culpado de todos os males nacionais. “Temos um modelo estatista antiquado. É preciso reduzir o Estado, modernizá-lo privatizando” é o alarde contemporâneo que se concretiza rapidamente.

Aparentemente paradoxal é que esses mesmos portadores da modernidade, no processo de privatização, tornaram-se donos particulares das ex-estatais com financiamento público. E mais uma vez o Estado intervém na economia para beneficiar aqueles que sempre usufruíram privadamente do público e que bradam pela saída do Estado da esfera econômica. O que se poderia dizer da injeção de R$ 2 bilhões no sistema financeiro, através do PROER, para reencaminhar dois bancos quebrados, como foi o caso do Nacional e do Econômico?

A intervenção econômica do Estado é sempre considerada boa e bem-vinda quando assegura o poder econômico aos tradicionais poderosos. Nunca quando se trata de garantir preços justos à agricultura, quando está em jogo a geração de empregos e as tarifas essenciais à qualidade de vida dos cidadãos destituídos de propriedade e riqueza. Quando o assunto se refere à políticas públicas de caráter social, o caso é ainda mais perverso. Encargos com educação, saúde, securidade social, habitação, aposentadoria, saneamento básico são pesos indesejáveis para esse Estado moderno. Quem quiser estudar, ter assistência médica, aposentadoria que pague. Quem não puder pagar que desapareça. Esta é a lógica que inspira a implantação dos pedágios nas estradas do Rio Grande do Sul. Esta é a doutrina que transforma direitos sociais e humanos elementares em serviços públicos privados, como o direito de ir e vir.

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