OPINIÃO

Literatura: Uma versão da modernidade

César Ricardo Osório / Publicado em 2 de julho de 1998

Segundo os latinos, o significado de litterator era aquele que tinha como ofício o ato de conhecer os meandros do bem escrever, da gramática. A proposta da literatura é, sem dúvida, dar vida às palavras, no amplo sentido da expressão e do exercício semiótico.

Umberto Eco estabelecera uma fronteira entre o significante e o significado. Ela se dá entre a liberdade criativa e a imposição da definição.

Para Eco, o “significado torna-se necessário para quem fala”; ou seja, para quem vive o exercício da palavra. Demonstrar o universo que nos envolve, nos seduz e, sobretudo, leva-nos a identificar sonhos e pesadelos faz do semiótico parte uníssona da ação literária.

Os episódios em que o personagem está envolvido nos revela, sobretudo, um momento de revolução de nosso interior. O verossímil é realidade que interage numa contínua ação e reação.

Essa dialética pode ser exemplificada quando Machado de Assis nos revela que a marca do tempo verossímil difere na percepção do real. “Imagina um relógio que só tivesse um pêndulo, sem mostrador, de maneira que não vissem as horas escritas. O pêndulo iria de uma lado a outro, mas nenhum sinal externo mostraria a marca do tempo”.

A imagem do pêndulo é signo das verdades efêmeras que também podem não ser verdades, pela atemporalidade da ação do pêndulo. Este deveria ser estritamente temporal. Ambos são imagens concretas mas só uma percebe a ação exclusiva da imaginação.

A imaginação é a comprovação de vida, esta objeto da literatura, seja qual for o gênero, a escola em que o texto é construído: a vida humana com suas experiências, em que se realizam entre si, no estrito universo humano.

Não existe literatura fora deste cosmo. Portanto, pode-se chegar a uma conclusão de que as diversidades das realidades culturais, os arquétipos, são todos encontrados na arte da criação literária. Nesta criação nascem e morrem múltiplas imagens. Não importa o tempo literário na criação mas a sua carga de emoção.

A multiplicidade é a essência da criação e não a falsidade da clonagem. A ação literária existe em um tempo que não pode ser medido, mas que está na imaginação do seu criador e, com certeza, outros tempos na dos seus leitores.

A emoção da criação pode ser percebida muito singularmente, em um instante, ou então se perderá como lágrimas na chuva.

* César Ricardo Osório é historiador e antropólogo. Porto Alegre

A saúde de Porto Alegre

Raul Pont*

A crise nacional da saúde não é irreversível. A causa principal localiza-se na esfera política, no projeto neoliberal do governo federal que resulta no desmonte do setor público e cortes no financiamento da saúde, que conta com um investimento cada vez menor, mesmo tratando-se de um setor essencial para a população.

A questão da saúde, portanto, é um desafio que deve e pode ser enfrentado com vontade política e decisões administrativas. Sob este aspecto, Porto Alegre está fazendo a sua parte e, mesmo com as dificuldades provenientes dos baixos recursos que Estado e União destinam à saúde, vem obtendo conquistas significativas, que são comprovadas não pela retórica ou pela propaganda, mas por números.

A capital gaúcha realiza mais atendimentos hospitalares e ambulatoriais do que a sua quota nos recursos que vêm para o Rio Grande do Sul direcionados à saúde. Desde que assumimos a municipalização, fomos além do compromisso assumido. Dados comparativos demonstram isso: em 1995, o Executivo da Capital investiu 13,58% e o Estado aplicou apenas 2,53%. Em 1996, enquanto o governo do Estado investia 2,43% do seu orçamento na área da saúde, a prefeitura de Porto Alegre investiu 14,62%. Em 1997, o Estado investiu 2,95% no RS, enquanto o município aplicou 14,54%. Das verbas destinadas ao Sistema Único de Saúde (SUS), a prefeitura ficou com R$ 336.358.962,00 no período que vai de agosto de 1996 a dezembro de 1997. Entretanto, nesse espaço de tempo, nossas despesas foram de R$ 338.555.875,00, o que significa um déficit de R$ 2.196.913,00, que é coberto com recursos do orçamento municipal, já comprometido com a manutenção do Hospital de Pronto Socorro de Porto Alegre e da rede municipalizada.

Enquanto Porto Alegre recebe 42,3% dos valores, gastamos 44,58% em internações hospitalares e 42,54% em atenção ambulatoriais. Em janeiro deste ano, mais da metade das internações verificadas na capital gaúcha, 52,7%, são de pacientes originários do interior. Esta defasagem não tem qualquer contrapartida por parte do governo federal, nem do governo estadual, que inclusive se negou a compensar financeiramente o nosso Hospital de Pronto Socorro, ao vetar emenda popular ao orçamento do Estado.

Mas não nos limitamos ao atendimento hospitalar. Procuramos cada vez mais investir na saúde preventiva. Assim, implantamos 28 postos do Programa Saúde da Família, estamos recuperando e ampliando unidades sanitárias sucateadas que recebemos do Estado e da União, qualificando uma rede que beneficia toda a Região Metropolitana de Porto Alegre.

Por outro lado, o governo federal não eleva o valor das tabelas de remuneração dos serviços do SUS, o que ocasiona o descredenciamento de hospitais e outros prestadores.

Somente em Porto Alegre, de 1995 a 1998, verificamos uma redução de 2.330 leitos do SUS, o que significa quase 30% do total anterior. No Rio Grande do Sul, o fechamento médio de leitos do SUS ficou em 32%.

Esta é a realidade, comprovada com números. Porto Alegre demonstra o caminho a ser seguido. Defendemos o Sistema Único de Saúde, garantimos a gratuidade no atendimento público, prática que não ocorre em muitos municípios e uma das causas da busca do atendimento na Capital.

Defendemos a municipalização da saúde e a praticamos mesmo sabendo que teríamos que manter constante tensionamento para recebermos e ampliarmos os recursos vindos do governo federal.

Defendemos a ampliação da fatia dos municípios no bolo tributário do país, pois é insustentável permanecer com apenas 17% dos tributos, para todos os crescentes encargos que as prefeituras assumem.

Se a União e o Estado comprometessem o percentual mínimo proposto pelo Projeto da Emenda Constitucional (PEC 169) de seus orçamentos para a saúde e os repasses fossem subordinados às políticas municipais, constituídas e fiscalizadas democraticamente pelos Conselhos Municipais, como prega o SUS, temos certeza de que estaríamos numa situação bem superior à atual, e sinalizando para uma nova política de saúde neste final de século.

* Raul Pont é sociólogo, professor, prefeito de Porto Alegre pelo PT.

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