OPINIÃO

A independência (mais) ameaçada

OSVALDO BIZ, DE PORTO ALEGRE* / Publicado em 28 de abril de 1999

Nem todos os brasileiros ouviram falar em Acordo Multilateral de Investimentos (AMI). Mas ele existe e está sendo escrito em Paris, sob sigilo até 1997, por 29 países representantes da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e com a presença de cinco países observadores. O Brasil é um deles.

O que pretende o acordo? Conseguir completa facilitação para a entrada de investimentos multinacionais nos países subdesenvolvidos, nos mais variados campos da economia: terras, recursos naturais, serviços públicos, patentes sobre a vida. Não só os grupos estrangeiros querem se livrar de qualquer controle por parte do governo local, como lhes é permitido exigir indenização por restrições que possam ser impostas. E, ainda, têm o direito de escolher o foro adequado para a Justiça resolva as possíveis controvérsias. Assinado o acordo, o país não pode retirar-se antes de passados cinco anos.

O AMI se encaixa com precisão dentro do processo de globalização, onde os países ricos exigem uma abertura completa e unificada de mercados dos países pobres, sob a coordenação das multinacionais. Antigamente isso era feito a tiros de canhão. Hoje os instrumentos são outros (como os descritos acima), mas com conseqüências funestíssimas para os excluídos, já que o livre mercado tornou-se uma expressão suprema da economia e aí não há lugar para eles.

Desde 1979, quando Margareth Tatcher assume o governo da Inglaterra, o ideário neoliberal espalha-se pelo mundo. Os resultados já podemos mensurar. As grandes corporações, contando nos países pobres com a elite, aumentaram seus lucros às custas da marginalização da maioria da população. O Estado vai privatizando suas empresas sem que se vislumbre qualquer melhoria nas condições sociais dos menos favorecidos. O dinheiro da venda serve para cobrir o déficit do governo ou para pagar os elevadíssimos juros do capital especulativo, que aqui chega atraído por remunerações extremamente atraentes.

Enquanto se proclamam os benefícios do livre mercado, até como caminho para incorporar-se ao seleto grupo de países ricos, a história mostra que os países desenvolvidos não trilharam por esta senda, para alcançar tal posição.

Se olharmos para a Inglaterra, o Ato de Navegação (1651), de Cromwell, exigia que as mercadorias só podiam ser transportadas em navios daquele país. É de se imaginar o acúmulo de capital que tal medida provocou.

Nos Estados Unidos, o que ocasionou a Guerra de Secessão (1865) foi a divergência sobre os rumos da economia entre os estados do norte e do sul. Com a vitória do norte, passou-se à prática da imposição de barreiras alfandegárias contra os produtos importados. Essa postura continua. Recentemente os Estados Unidos taxaram a entrada do aço brasileiro. E a União Européia e a nação norte-americana não chegam a um acordo sobre a eliminação dos obstáculos ao comércio. Essa linha de protecionismo também foi praticada pela Alemanha e pelo Japão, entre outros países. Só que agora defendem para os pobres as virtudes de um mundo sem barreiras, desterritorializado.

No Brasil, a partir de Collor e Fernando Henrique Cardoso, foi deixado de lado o modelo nacionalista, estatizante e protecionista, acusado de ser responsável pelo nosso atraso. A economia foi escancarada para o lucro das transnacionais. O Real sobrevalorizado e os juros estratosféricos facilitaram, de um lado, as importações, provocando sucessivos déficits na balança comercial; de outro, a quebra das empresas nacionais. O Produto Interno Bruto (PIB) despencou e o desemprego bate todos os recordes. Estamos iniciando uma nova década perdida?

O final é patético: desembocamos novamente no Fundo Monetário Internacional (FMI) com seu receituário voltado para a salvação dos grupos estrangeiros que investiram no país. Ao povo se pede, mais uma vez, sacrifícios.

Procuremos dentro do nosso país as saídas para as nossas desigualdades, através do fortalecimento do mercado interno. Esta foi a prática utilizada pelos países que, hoje, defendem um mundo sem controles econômicos.

“Alerta à nação diante da ameaça da AMI” é uma publicação produzida pelos Instituto de Estudos Sócio-econômicos e Associação para Projetos de Combate à Fome, com a colaboração da Editora Vozes. Divulgá-lo é uma questão de cidadania.

*Osvaldo Biz é jornalista e professor da PUC/RS

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