Justiça do trabalho: mudar para preservar
O debate referente à reforma do poder judiciário tem colocado a Justiça do Trabalho como o principal foco das atenções, não somente em razão dos fatos tristemente pitorescos patrocinados por integrantes de sua cúpula, mas sobretudo em face dos questionamentos quanto à real necessidade de sua própria existência como justiça especializada.
A necessária reflexão, que traduz o antagonismo entre as posições de ataque e de defesa desta Instituição, não chegou, ainda, a ocupar a cena. Por enquanto, assistimos apenas as argumentações de caráter econômico/administrativo e por outro, a romântica e não menos simplória afirmação de ser a JT uma justiça “dos trabalhadores”.
A intenção dos “reformistas”, alinhados com o substitutivo do deputado-relator Aloysio Nunes Ferreira, não se resume apenas a uma mera alteração administrativa e organizacional da justiça, mas sim a um definitivo afastamento dos remanescentes empecilhos à flexibilização dos direitos trabalhistas, ao fim da CLT e ao esvaziamento total dos sindicatos.
A intenção de extinguir-se a Justiça do Trabalho colide assim, em seu sentido estratégico, com os interesses diretos dos trabalhadores brasileiros. Mas colide, especialmente, com os interesses corporativos da magistratura do trabalho à medida que a ventilada assimilação desta pela Justiça Federal implicaria na perda do status de justiça especializada e o risco da destinação de seus juizes às varas federais especiais, o que significa, em última análise, perda de poder.
A esperada reação do Judiciário Trabalhista, todavia, não tem invocado por óbvio tais circunstâncias e interesses. Ao contrário, os argumentos em defesa da preservação desta Instituição mostram uma inusitada preocupação com os trabalhadores, seus sindicatos, seus direitos e interesses. Passamos a ouvir, dos ministros do TST, discursos sobre a importância do caráter tutelar da Justiça do Trabalho e importância de uma justiça de fácil acesso trabalhador.
A experiência dos sindicatos, porém, é reveladora de uma justiça que, principalmente na última década, tem subvertido o sentido os motivos de sua criação. Os tribunais (TRTs e TST) praticamente abdicaram ao poder normativo nos dissídios coletivos, utilizando-o tão somente para efeito de declaração de abusividade de greves. As ações rescisórias (instrumento utilizado normalmente pelo empregador), admitidas por lei apenas em hipóteses excepcionais, constituem-se hoje num verdadeiro recurso da sentença transitada em julgado. As ações judiciais vitoriosas, cujas sentenças ou acórdãos asseguraram o ressarcimento das diferenças salariais dos planos econômicos (Bresser, URP, Plano Verão, Collor etc), estão sendo desconstituídas (anuladas) diariamente por meio de ações rescisórias, admitidas quase que sem limites pelo TST.
O processo, na Justiça do Trabalho, não tem mais fim. A coisa julgada não é mais garantida, e a segurança jurídica não mais existe.
O retrato mais nítido de sua transfiguração é, no entanto, a obtusa “interpretação”, capitaneada pelos ministros que compõem o TST (com a submissão dos classistas representantes dos trabalhadores), da norma constitucional que assegura a substituição processual pelos sindicatos. Esse Tribunal Superior que hoje se mostra “preocupado” com o acesso à justiça pelo trabalhador é o único, na organização judiciária brasileira, a entender e inclusive editar súmula (enunciado 310) no sentido de afirmar que o artigo 8º, inciso III da CF não assegura a substituição processual do sindicato aos integrantes da categoria.
Com base nesta “interpretação” e neste enunciado, dezenas de milhares de ações, propostas pelos sindicatos após a Constituição de 1988, estão sendo simplesmente extintas pelo TST, TRTs e Juntas de Conciliação. Com base nesta “interpretação” e neste enunciado MILHÕES(!!!) de trabalhadores tiveram seus direitos barrados pela Justiça do Trabalho!
Esta devassa, nos direitos dos trabalhadores, não aparece nas estatísticas orgulhosamente divulgadas pelo TST.
A substituição processual, único instrumento capaz de possibilitar a reclamação de direitos durante a constância do contrato de trabalho foi, paradoxalmente, rechaçada pela própria Justiça Trabalhista, numa demonstração inequívoca de pretender eternizar-se como Justiça dos DESEMPREGADOS, negando acesso aos titulares de contratos de trabalho.
Esta Justiça, míope aos fatos sociais e arredia à coletivização dos conflitos judiciais trabalhistas, não serve aos trabalhadores e, tampouco, ao desempregados.
Defender, hoje, a preservação da Justiça do Trabalho somente adquire sentido se for para resgatar sua efetiva e originária missão, para a qual foi concebida.
*Paulo Renato Brod Nogueira é advogado do Sinpro/RS
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