OPINIÃO

Inflação baixa: farsa ou realidade?

Cássio Calvete / Publicado em 24 de outubro de 1999

O ano de 1999 trouxe novamente ao nosso convívio um inimigo que muitos achavam, e governo propagandeava, que tínhamos vencido definitivamente: a inflação. Ela ressurgiu como conseqüência imediata da desvalorização do real ocorrida no mês de janeiro e, apesar de ainda encontrarse em patamares baixos para a história brasileira, já está muito acima da registrada no ano passado. Com a inflação, retorna também a polêmica acerca da confiabilidade dos índices utilizados para medila. E é a respeito deste assunto que este artigo se ocupará.

As pessoas deparamse diariamente com novos aumentos de preços sendo anunciados nos telejornais e também com aumentos de preços de alguns produtos adquiridos nos supermercados. Apesar disto os índices responsáveis pela medição da inflação, quando anunciados, trouxeram como resultados variações muito abaixo daquelas anunciadas na TV e que muitas vezes se situaram próximas de zero. Esta situação levou o cidadão a desconfiar dos índices que medem a inflação. Alguns acham que eles já não são tão eficientes e, outros, que eles estão sendo manipulados. Enfim, a impressão final que ficou é de que a inflação real é superior à que está sendo medida pelos institutos de pesquisa.

Mais fatores que reforçam esta impressão de ineficiência dos índices encontramos em outros aspectos econômicos e sociais, a saber: a) em outros tempos os índices oficiais de inflação já foram manipulados ou simplesmente alterados como forma de se adequar a novas realidades; b) apesar da inflação baixa após o Plano Real, muitas categorias não têm conseguido a reposição dos índices nos seus salários, o que acarreta uma efetiva perda salarial; e c) a taxa de desemprego próxima de 20% nos indica que a cada cinco pessoas uma está desempregada ou, dizendo de outra forma, em uma família com cinco pessoas que fazem parte da PEA uma está desempregada.. Logo a renda familiar está menor.

Vamos à realidade da inflação. Este sentimento da população brasileira tem razão de ser, visto que de fato estamos sofrendo perda de poder aquisitivo. Porém, não podemos desconfiar da eficiência dos índices de custo de vida. O que temos de fazer é uma leitura mais apurada da mensagem que eles estão transmitindo. Ao analisarmos a tabela 1 percebemos que os produtos públicos e administrados em conjunto com os oligopolizados – que representam pouco mais de 25% dos gastos do orçamento familiar – tiveram aumentos bem superiores à taxa global de inflação, enquanto os produtos concorrenciais – que têm peso de 74, 46% no orçamento familiar – tiveram comportamento inverso.

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Isto nos mostra que aqueles setores que vendem produtos concorrenciais como alimentação, vestuário e lazer não estão conseguindo repassar os aumentos dos seus custos para os preços. Um exemplo claro desta situação é a vivida pelos caminhoneiros. Os combustíveis têm subido mas opreço dos fretes não. Ao compararmos diferentes índices responsáveis por medir a inflação, temos esta situação confirmada.

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O IGPM calculado pela Fundação Getúlio Vargas, que mede preponderantemente os preços no atacado, apresenta variação muito superior aos índices calculados pelo Dieese e pelo IBGE, que medem os preços pagos pelos consumidores. Nunca é demais lembrar que os índices que medem a inflação o fazem através de um média das variações dos preços. É fato que temos os aumentos dos combustíveis e dos remédios, mas não podemos nos esquecer que produtos como o feijão, o arroz, a batata e o açúcar tiveram seus preços diminuídos neste ano.

Qual a conclusão que podemos tirar desta análise? Ao observarmos as tabelas acima fica claro que os índices que medem a inflação continuam eficientes, bem como o termômetro da população. O que vem ocorrendo é que os aumentos de preços que foram praticados não se generalizaram pela economia pela impossibilidade dos comerciantes repassarem os aumentos de custos para os consumidores, devido à recessão. No entanto, as pressões para o efetivo retorno da inflação em escalas maiores estão presentes. Assim que estes agentes que tiveram os seus rendimentos diminuídos sentirem a possibilidade de retornar aos seus ganhos anteriores, eles o farão. E isso acabará acarretando a volta da inflação a patamares antigos.

* Cássio calvete é economista do Dieese

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