Nos últimos meses, a sociedade brasileira assistiu perplexa à discussão entre membros do governo sobre a oportunidade ou não de adotar medidas econômicas que possibilitariam a retomada do crescimento da economia e a conseqüente redução das taxas de desemprego. Todos os protagonistas do debate colocando-se como paladinos da Justiça. Cada um defendendo medidas que entendem ser as melhores para a economia brasileira. Vamos tentar colocar uma luz nesta discussão fugindo dos rótulos fáceis de monetaristas e desenvolvimentistas.
Dentre as pessoas consideradas monetaristas encontram-se como expoentes o ministro da Fazenda, Pedro Malan, e o presidente do BC, Armínio Fraga. A eles é dado o rótulo de monetarista pelo fato de defenderem medidas econômicas que procuram manter a economia em recessão – como altas taxas de juros e restrição monetária. O objetivo principal é a manutenção da meta obtida pelo Plano Real, de redução das taxas inflacionárias. Porém, o custo da queda da inflação obtida única e exclusivamente com a redução da demanda é bastante alto e já bem conhecido da sociedade: concentração de renda, desemprego, arrocho salarial.
Atualmente, os principais expoentes dos desenvolvimentistas são o ministro José Serra e o ex-ministro Clóvis Carvalho. A proposta desta ala governamental é que o governo deve adotar medidas econômicas, como a redução das taxas de juros, visando o crescimento da economia e a diminuição dos efeitos perversos do Plano Real. Reduzindo, assim, as taxas de desemprego, mesmo que se corra o risco da volta da inflação aos patamares antigos.
Como pode-se ver, o conflito também poderia ser visualizado como inflação versus desemprego. Desta forma, percebemos que o Brasil às vezes também compartilha de alguns dos dramas econômicos de outras nações. O dilema desemprego versus inflação é muito conhecido e amplamente discutido na literatura econômica. Neste caso, porém, o que nos diferencia dos outros países é o extremo em que esta situação está colocada. Normalmente é possível combinar situações intermediárias entre mais ou menos desemprego versus mais ou menos inflação. Por que no Brasil não é possível uma combinação razoável?
Ao longo das três últimas décadas, o Brasil conformou o seu desenvolvimento econômico de modo dependente do capital externo e com exclusão social. O resultado foi a formação de uma estrutura produtiva voltada para o atendimento de apenas uma parte da população. Assim, quando a economia experimenta um período de crescimento que absorve novos extratos da sociedade e os possibilitam participar do mercado consumidor a estrutura produtiva do país não está preparada para atender este crescimento extra de demanda. Isto gera uma nova onda de aumento de preços.
Como no caso brasileiro a inflação foi combatida exclusivamente com a redução da demanda, a contradição entre desemprego versus inflação atinge as raias do extremo. Como poderíamos sair deste verdadeiro cheque-mate e retomar o crescimento econômico sem o retorno da inflação? Este resultado só pode ser alcançado no longo prazo, com medidas que mudem a estrutura produtiva do país e a distribuição de renda. Medidas que tecnicamente não têm maiores complexidades, mas que, por mexer com muitos interesses, têm enormes dificuldades políticas.
Como pode-se perceber, portanto, o conflito monetarista versus desenvolvimentistas – propalado entre integrantes do governo – não passa de um mero erro conceitual. De forma alguma podemos chamar de desenvolvimentista pessoas que desde o princípio do Plano Real apoiaram as políticas dependentes do capital externo e da exclusão social. Além do mais, em nenhum momento é apresentado de forma fundamentada e consistente uma proposta de reestruturação produtiva e distribuição de renda. Fica claro que as disputas internas se situam muito mais quanto à aparência das medidas e seus efeitos de curto prazo e menos quanto a efetivas mudanças de rumo na política econômica do país.