OPINIÃO

A névoa do esquecimento

Publicado em 3 de junho de 2001

Em seu magistral ensaio A Paz Perpétua, o filósofo alemão Immanuel Kant faz uma importante distinção entre os moralistas políticos e o político moral num texto que acaba sendo, segundo alguns autores, um contraponto perfeito aos conceitos políticos pouco recomendáveis retratados por Maquiavel em O Príncipe. Ironicamente, o autor italiano permanece no vocabulário de uso corrente através de expressões como “maquiavélico”, usada para designar plano destituído de qualquer senso ético ou moral para que alguma pessoa, ou mesmo um grupo de pessoas, atinjam um objetivo, no mais das vezes a tomada ou a manutenção de algum poder de forma não exatamente lícita. Enquanto isso, o filósofo de Konigsberg, com seu racionalismo lógico e sua apurada e rigorosa crítica da razão, parece cada vez menos adequado aos principais foros nacionais, quais sejam o Congresso Nacional e a grande imprensa brasileira, a qual se distancia cada vez mais das ânsias populares. No Brasil contemporâneo não é incomum a sensação de estranhamento frente aos acontecimentos cotidianos. Como nos versos populares da canção de Vinícius de Moraes, “hay dias que no sé lo que se pasa, é tudo uma total insensatez”, o Brasil testemunha, estarrecido e impotente, a uma farsa política protagonizada por um presidente da república que ostenta um passado político em nada condizente com seu presente patético.

Em meio a tudo isso, esquece-se um fator básico: a linha evolutiva do atual governo. Afinal, só para registro, é bom lembrar que FHC era ministro de Itamar que foi vice de Collor, cassado por corrupção. Mais? Só para lembrar: Marco Maciel, o vice de FHC, foi vice e ministro dos (des)governos militares. Mesmo período em que o hoje “democrático” Pratini de Moraes era ministro dos mesmo militares aboletados ilegalmente no poder por 20 longos anos. No século XVIII, Kant conseguiu traçar a diferenciação entre os moralistas políticos e o político moral. No Brasil atual, a névoa do esquecimento parece transformar tudo numa coisa só. De forma maquiavélica.

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