OPINIÃO

A arte da derrota

"No mundo há mais derrotados do que vencedores”. Esta frase do filósofo Michel Serres diz muito sobre a trágica condição humana. Não é necessário grande esforço para de
Por dois Santos dos Santos / Publicado em 17 de abril de 2009

MANOEL FRANCISCO DOS SANTOS – o Mané Garrincha – nasceu em Pau Grande, município de Magé, estado do Rio de Janeiro, em 18 de outubro de 1933. No início dos anos cinquenta do século passado, saiu da várzea para fazer teste no Botafogo, um dos grandes clubes de futebol do Rio. No primeiro treino, marcado pelo lendário Nilton Santos, revelou-se um malabarista da bola, incontrolável. Nilton teria recomendado ao treinador: “Contratem esse garoto porque eu não quero jogar contra ele”. Tornou-se profissional e uma das glórias do Botafogo. Na Copa Mundial de 1958, na Suécia, era reserva, mas com sua entrada em campo o Brasil melhorou muito e acabou ganhando o campeonato. Na Copa de 1962, no Chile, com a saída de Pelé, por lesão, ele foi único e inacreditável, garantindo com as pernas tortas e os seus pés mágicos a conquista do título. Um pouco mais tarde, por estar sempre machucado – já que a marcação era feroz – e outras frustrações, acabou se entregando ao alcoolismo. Foi jogando cada vez menos, até abandonar o futebol e se transformar numa espécie de pária luminoso e angelical, dependendo da ajuda de amigos e instituições. Era um gênio desse tipo de esporte como nunca houve nada parecido. Morreu em sua terra natal, em 20 de aneiro de 1983.

ROBERT FALCON SCOTT, explorador inglês, nasceu em 6 de junho de 1868. Seu sonho era chegar à Antártida e conquistar o Polo Sul para o Império Britânico. Para isso fez mais de uma expedição. Na última, com três companheiros, partiu de Cardiff na segunda quinzena de outubro de 1911, equipado com pôneis e cães adaptados ao frio. Ao chegarem ao Polo, em 17 de janeiro de 1912, encontraram ali a bandeira da Noruega fincada no gelo por Roald Amundsen, que havia chegado 33 dias antes. Na volta, Scott e seus homens se perderam e provavelmente – em consequência do clima inóspito, do cansaço e da fome – tenham morrido em fins de março deste mesmo ano. Os corpos foram achados depois de nove meses. Sobreviveram o seu diário e a sua história.

TELÊ SANTANA DA SILVA – o Telê Santana – nasceu em Belo Horizonte, em 27 de julho de 1931. Em fins dos anos 40 do século passado, foi para o Rio de Janeiro, onde passou a jogar pelo Fluminense, e por sinal era um bom jogador. Ao encerrar a carreira, nos anos 60, torna-se técnico de futebol, vindo a treinar vários clubes Brasil afora, até chegar à Seleção Brasileira de 1982. Telê Santana foi excepcional, lendário até, não por haver vencido nesta ocasião, mas porque perdeu com um time de primeira como há muito não se via. Sua visão do futebol, leal e íntegra, mostrava que se devia esperar de uma partida mais do que força bruta e eficiência. Havia espaço, no que ele pregava, para a elegância, a beleza e o estilo. Um técnico que combatia a violência quando outros mandam bater sem pena nem remorso, que proibia o carrinho por trás, que tinha como lema uma frase que devia estar gravada com letras grandes em todos os estádios de futebol: “Eu prefiro empatar jogando bem do que ganhar jogando mal”. Exatamente o contrário de todo este rebanho de medíocres, que mereciam estar na várzea e nos potreiros convivendo com bovinos e quadrúpedes em geral. A Seleção de 1982, desclassificada na semifinal daquele torneio, foi uma das grandes seleções de todos os tempos, emulando com as de 1958, 1962 e 1970. A derrota foi o seu túmulo e a sua glória.

MARKO KAHN SU GRIÁ, índio, homossexual, aidético, viciado em álcool e morador de rua, nos perto de 40 anos que lhe foram concedidos para viver era um “compêndio de situações humanas” – como diz a jornalista Rosina Duarte, que o conheceu – que tinha tudo para atrair o estigma e a discriminação de uma forma geral. Nascido em Redentora, a maior reserva indígena do estado, provavelmente em 1970, foi criado entre brancos por uma família de origem alemã. Ao entrar em conflito com os pais adotivos, tentou reatar com as raízes, mas não deu certo. Então ficou ao léu. Possivelmente nesta época esteve na Febem, famigerada instituição para recolhimento e guarda de menores abandonados. Depois, com certeza tenha ficado a maior parte da vida na rua, ao desamparo. Possuía algum estudo, talvez o primeiro grau, e lia muito, apesar das condições adversas. Em certa ocasião, andou trabalhando como funcionário na Ufrgs e na Assembleia Legislativa do Estado. Muito inteligente, extremamente articulado, com uma clareza de raciocínio e capacidade de exposição espantosas, dava também palestras sobre prevenção de Aids. Houve momentos em que usou droga pesada, mas a sua preferência, até pela facilidade para adquirir, era o álcool. Quando bebia, tornava-se agressivo, um tanto verbalmente, e apanhava bastante, da polícia e dos próprios companheiros de desgraça.

Personalidade forte, franca, amorável, serena e generosa quando sóbria, na opinião de amigos e conhecidos – a chinesa, como era chamado – foi perdendo para a morte, uma a uma, as amizades mais caras e íntimas, ficando em consequência muito depressivo e adoentado (tuberculose, uma das enfermidades oportunistas que atacam quem sofre de Aids). Encorajado a reagir, disse que não valia a pena, que vários daqueles que amava já haviam partido, e que já era também hora de ele ir. E então foi.

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