Sou professor, mas não estou professor. Há mais de 15 anos me descobri professor, na sala de aula, encarando na prática muitas das surpresas para as quais geralmente não nos preparam os cursos de licenciatura.
Uma dessas surpresas foi descobrir a vocação para ensinar, o que inclui o ensinar a si mesmo como se ensina. Não lembro de ler ou ouvir na faculdade que colocar o pé numa sala de aula e gostar de estar ali, com alunos e tudo, significa que se é, efetivamente, um professor.
E mais: descobri que sou tão professor que posso me dar ao luxo de ser várias outras coisas, se for o caso. No momento, por exemplo, enquanto escrevo estas linhas, sou e estou escritor. E só não estou professor porque fui demitido de uma faculdade particular, na esteira de uma dessas crises programáticas que são parte dos sistemas geridos pelo capital.
A diminuição do corpo docente, o enxugamento das despesas da instituição colocou na mesma situação mais 11 ou 12 colegas, só no lugar onde eu trabalhava. Havia então uma crise política, econômica e social. De lá para cá, continua havendo crise, só que pior. Não é nada fácil lidar com uma vocação involuntariamente adormecida, sem perspectiva de exercício nas condições ideais de sua prática. Ser e estar professor fora da sala de aula é como ser um ator fora do palco, praticando sempre um mesmo monólogo.
É preciso levantar da cama, diariamente, e dar o mesmo texto, nem sempre convincente: “é uma situação temporária, tenho coisas a fazer, não posso me entregar, a situação vai mudar”. Tudo muda. As águas do rio nunca correm da mesma maneira. Também não ultrapassam as margens enquanto uma tempestade não as faz transbordar. Há dois anos e meio espero a tempestade. E com ela, mais que um transbordar das margens, a diminuição do número de pessoas descaracterizadas naquilo que o sistema impõe como identidade social, que se reconhecem principalmente na função que cumprem através de seu trabalho.