A maioria das manchetes sobre a crise brasileira enfoca as questões econômica e política. Os números pífios da economia brasileira nos últimos trimestres são alarmantes, em que pese o grande esforço do atual governo em transparecer um clima de retomada de crescimento e de otimismo. Também é evidente o sentimento dominante de falta de representatividade da classe política. Contudo, tais manchetes evidenciam as consequências e não as causas da crise.
A constatação de que a mais alta autoridade do país foi denunciada pela PGR, com provas fartas e contundentes, obtidas durante tratativas nada republicanas, em horário pouco ortodoxo e sem a mínima observância protocolar normalmente exigida num palácio de governo, com interlocutor que o próprio presidente da República e denunciado alardeia como criminoso confesso, aliado à naturalidade com que explicações nada convincentes são apresentadas, nos remete a uma situação que beira o surreal. Este exemplo significativo mostra que temos muito a evoluir enquanto democracia, começando pela observância dos princípios que regem a administração pública.
Porém, problemas éticos não são os únicos que devemos enfrentar. A péssima distribuição de renda é um fator que impede o desenvolvimento pleno do Brasil e agrava problemas sociais, incluindo a violência. Um relatório sobre a distribuição de renda e riqueza da população, divulgado em 2016, pelo Ministério da Fazenda, mostra que o Índice de Gini vinha diminuindo ano após ano no Brasil. Vale lembrar que este índice varia de zero a um, e valores mais baixos indicam menos concentração da renda. No Brasil, ele caiu de 0,545 em 2004 para 0,490 em 2014. Para efeito de comparação, os países europeus apresentaram em 2015 índices que variaram entre 0,236 a 0,379, com média de 0,310.
O enfrentamento da crise na sua raiz, além de investimentos contínuos em educação, exige a implementação de duas importantes reformas: a política e a tributária. Se bem elaboradas, a primeira poderá minimizar as relações promíscuas de políticos inescrupulosos com o capital financeiro e auxiliar para a credibilidade da classe política. A segunda poderá contribuir significativamente para elevar o Brasil a um outro patamar de igualdade social, servindo de pilar para uma sociedade mais justa.
Para infelicidade da maioria da população – entre eles não estão incluídos os 5% mais ricos que detêm 28% da renda total e da riqueza nacional, a reforma que mais avançou foi a da legislação trabalhista. Se aprovada, o país retrocederá décadas em suas conquistas trabalhistas e agravará a já elevada desigualdade social. Como se isso não bastasse, vimos no final do ano passado a promulgação da emenda constitucional do teto de gastos públicos, altamente nociva para investimentos públicos em geral, incluindo a saúde e a educação.
*Professor, diretor regional da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul – Uergs.