OPINIÃO

Descartes e as eleições de 2018

Por Joel Didone* / Publicado em 11 de dezembro de 2018

Um dos pensadores mais influentes da história do pensamento ocidental, o filósofo francês René Descartes (1596-1650) revolucionou a ciência moderna ao elaborar o método cartesiano na sua busca pelo conhecimento sólido e verdadeiro. Em quatro etapas, propunha uma crítica forte a todas as supostas verdades do seu tempo, no intuito de separar os conhecimentos que realmente possuíssem um embasamento consistente dos que eram sustentados apenas por crenças, fruto do domínio religioso da Idade Média. Esse processo de dúvida metódica levou o filósofo a deixar de lado muitas falsas verdades e encontrar uma que pudesse sustentar toda a sua filosofia e, por consequência, a ciência que viria posteriormente. Daí surgiu o “penso, logo existo”.

A suposta rede de financiamento indevido na campanha do presidente eleito, denunciada pelo jornal Folha de S. Paulo às vésperas do segundo turno, estabelece um paralelo entre o pensamento de Descartes e o que ocorreu na campanha eleitoral a propósito de verdades e mentiras.

Já não era mistério para ninguém que a campanha estava fazendo uso de notícias com fontes duvidosas e inconsistentes, as chamadas fake news, que vinham sendo disseminadas de forma descontrolada pelas redes sociais, especialmente pelo WhatsApp. O que surpreendeu foi que a difusão dessas notícias pode ser muito menos orgânica do que se supunha, cabendo agora às autoridades apurarem a denúncia de que elas estariam sendo impulsionadas com dinheiro ilícito de campanha. As fake news são reais e têm tornado a vida do eleitor muito difícil e polarizada, fazendo-o transitar entre a desconfiança total e a confiança cega e irracional.

Cabe a cada um de nós um processo de revisão de nossas crenças e convicções, assim como Descartes se propôs a fazer. As bases que sustentavam nosso imaginário foram postas em dúvida, as notícias usadas para construir crenças e ideologias foram totalmente, ou pelo menos parcialmente, desacreditadas. O estrago foi feito, mas ainda há tempo de buscar os fundamentos do que foi dito. Ainda é tempo de revisar nossas crenças, de buscar as fontes que embasam nossas convicções e colocá-las à prova. A melhor forma de fazer isso ainda é por meio do jornalismo sério e investigativo de circulação nacional, seja nas plataformas físicas ou digitais.

A tarefa não é simples, mas é necessária. Não podemos construir um futuro sem bases sólidas, alicerçado em areia. Precisamos combater a desinformação intencional das fake news com informação consistente e real. Só assim estaremos dando embasamento sólido a nossas escolhas, só assim encontraremos, como Descartes, nosso alicerce, nosso argumento do cogito.

Vamos ampliar nossos horizontes, abandonar a raiva que nos cega e olhar além da desinformação que nos chega por vias duvidosas. Caso contrário, sempre sairemos perdendo.

*Licenciado em Filosofia (PUCRS) e em Ciências Sociais (Ufrgs),
professor da rede privada de Porto Alegre.

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