OPINIÃO

Minha terra, minha míngua

Por Fraga / Publicado em 21 de maio de 2019

Se o branco se empenhasse em aprender uma língua nativa

Arte: Sica

Arte: Sica

Da invasão nos tímpanos dos donos do lugar, porém, nada se diz. A língua portuguesa soou e ainda soa aos índios (esse eterno gentílico equivocado) imperativa e impositiva. De lá pra cá, a língua portuguesa virou audição coercitiva.

Lá por 1600, os indígenas eram milhões e os portugueses, milhares. Hoje é o contrário. Graças ao entrechoque entre a fala autoritária e surda do branco, os indígenas passaram da voz ativa para a passiva.

Sob o domínio português – invasor e língua –, as nações indígenas habitam esse território abstrato, a terra prometida que não é demarcada. E se acaso a demarcam, outras tribos – branconas e mandonas e valentonas – a invadem. Aí a voz do dono legítimo é calada, ou no grito ou no tiro.

As barreiras pro indígena aprender português não são poucas: incompreensões fonéticas, obstáculos sintáticos, cruciais regências verbais, vocabulário aculturador. Dificuldades onde o branco também tropeça. Mas enquanto o indígena se dedica, o branco o deixa falando sozinho. As autoridades não dão ouvidos, a maioria da sociedade finge que escuta.

Se o branco se empenhasse em aprender uma língua nativa tanto quanto os povos se esforçam no português, a luta indígena não seria tão exaustiva, nem as reivindicações tão infrutíferas. A indisposição oral do branco e a indiferença com os hábitos e costumes indígenas colaboram para um massacre cultural. Há 519 anos se aproxima uma extinção étnica.

Sem escrita, o indígena tem urgência de ser ouvido – antes de serem dizimados pela arma mais poderosa que os governantes usam contra os direitos deles: a caneta (essa metáfora não é minha, é do saber deles). Marginalização não é só à beira da estrada.

A violência contra os indígenas vai além dos ataques armados. Chegam a sutilezas, como nas visitas do conselho tutelar a acampamentos de Kaingangues e outros povos do RS. Ao ver as crianças de pés sujos, o conselho tutelar opina: usem calçados. Não importa se as crianças são sadias, livres e felizes na mata. Ora, pé sujo nunca matou ninguém: fosse assim, a humanidade teria acabado no barro da pré-história. O conselho tutelar quer civilizar o indígena sem ser civilizado com ele.

Para o branco conviver melhor com o indígena, e vice-versa, um bom aprendizado de línguas viria da integração de infâncias – brancas, negras e indígenas. Brincando, brincando, em pouco tempo se entenderiam. E os primeiros poliglotas desses encontros passariam esse conhecimento adiante, algo conciliador para as novas gerações.

No caso das nações tupis-guaranis, a máxima de Fernando Pessoa – minha pátria é minha língua – não faz sentido. Desde o “descobrimento” nossos indígenas sabem: não há dialogo com quem impõe monólogo.

 

Fraga é escritor, humorista, publicitário. Escreve mensalmente para o jornal Extra Classe.

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