Ilustração: Rafael Sica
Ilustração: Rafael Sica
Com fins ao aperfeiçoamento da antiga Lei de Murici, desatualizada desde as capitanias hereditárias, o presidente equivocadamente eleito, no uso pleno das suas atribulações, talvez decrete e imponha o seguinte: para fortalecer o desgoverno brasileiro e impedir obstáculos aos desmandos e desmontes legais, o indivíduo passa a ser a maior unidade social no país.
Cria-se, assim, o MIN: Movimento Individualista Nacional. Em outras palavras: o MIN será o maior programa de valorização do indivíduo. Em vez de depender de quaisquer formas de associação, ele concentra nele mesmo todos os poderes antes diluídos em sindicatos, cooperativas, etc. Para não enfraquecer o MIN, associações, grupos e ligas terão seu espaço na clandestinidade.
Quer dizer, cada cidadão comporá uma base única de organização social. O cidadão delibera, decide, determina. Sua individualidade é o seu território, com soberania sobre seus atos pessoais. Em suas mãos, a autogestão e a autoproteção, com autonomia total para ser quem é, como quiser, onde quiser, quando quiser. Menos com outros.
E para garantir as maiores prerrogativas individuais que o brasileiro já teve, a lei que pode entrar em vigor a qualquer instante tem os seguintes artigos:
Art. 1º – Salve-se quem puder. Se cada cidadão tratar da sua vida, é quase certo que irá sobreviver. A sobrevivência alheia é assunto alheio.
Art. 2º – Cuide do seu nariz. Se fosse para cuidar de vários narizes, todos eles estariam na sua cara.
Art. 3º – Estude em casa. Lembre-se que o despreparo não é mais deficiência, agora é pré-requisito e enriquece currículos.
Art. 4º – Arme-se, para o seu próprio bem. Você não precisa ser o gatilho mais rápido do oeste. Escolha outra zona, eleja um calibre e capriche na pontaria. Conte com policiais para diminuir seus inimigos.
Art. 5º – Não se arrisque em meio a tiroteios. As balas perdidas – aquelas que não sabem de onde vieram nem para onde vão – não distinguem entre quem foge delas e quem marca encontro com elas.
Art. 6º– Seja saudável. É uma das formas mais práticas de evitar o SUS, de economizar em farmácias e despesas médicas. Seja saudável por 8 ou 9 décadas e ignore os hospitais públicos.
Art. 7º – Seja solidário só em último caso. Nos casos antepenúltimo e penúltimo, não se precipite: aguarde o desfecho de cada um, assim terá certeza da solidariedade adequada.
Art. 8º – Para incentivar o individualismo, o governo instituirá bolsas de mestrado em Egoísmo e pós-graduação em Egocentrismo. Mas não espalhe.
Antene-se neste projeto. Quem sabe sejam revogadas as indisposições em contrário.
Fraga é escritor, humorista, publicitário. Escreve mensalmente para o jornal Extra Classe.