Foto: Reprodução
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Ainda hoje, no Brasil, quando se debate sobre Educação, é comum que os interlocutores sustentem suas opiniões com base na obra de reconhecidos pedagogos, sociólogos ou filósofos. Tais referências são, é claro, importantes, mas o problema desse tipo de debate é que ele quase nunca dialoga com evidências científicas. Os alinhamentos produzidos, assim, consolidam “tribos ideológicas”, grupos de defensores desta ou daquela doutrina que se comportam como membros de uma seita na defesa de seus dogmas e na disposição de apontar os “pecadores”. Pesquisas fundamentais nos últimos anos, em áreas como a Psicopedagogia, a Psicologia, a Neurologia, a Genética e a Criminologia, para citar apenas alguns campos do saber, têm descoberto aspectos muito importantes a respeito da aprendizagem, das capacidades socioemocionais, do papel do estresse e da violência como inibidores do funcionamento cerebral, etc., que seguem, em regra, desconhecidas, quando não desconsideradas pela maioria dos gestores, professores e legisladores.
Doutrinas só aparecem como suficientes nos espaços vazios de evidências. É nesse deserto que se anestesia o pensamento com certezas e onde as afirmações ideológicas são blindadas à comprovação empírica. Há, por outro lado, quem se satisfaça mencionando os resultados de “um estudo”, não casualmente, uma pesquisa que confirma suas crenças, que corrobora as verdades eternas reveladas pelo profeta de sua preferência. O que ocorre, entretanto, é que nem toda pesquisa obedece aos critérios elementares de cientificidade. No mais, temos níveis de cientificidade muito distintos. Pesquisas qualitativas, por exemplo, possuem um nível baixo de cientificidade se comparadas a estudos experimentais com amostras randomizadas. Esses, por sua vez, são superados por revisões sistemáticas e meta-análises. Logo, se queremos lidar com evidências, é preciso avaliar os estudos mais consistentes que, via de regra, são aqueles que analisam as evidências encontradas em amplos conjuntos de estudos rigorosos.
Em todo o mundo, cresce a abordagem conhecida como “Educação Baseada em Evidências”, com a qual se procura aplicar métodos pedagógicos e iniciativas de gestão a partir de avaliações que comprovam o que funciona nas escolas. Graças a esses estudos, sabemos, por exemplo, que o financiamento da Educação não é o desafio mais importante a ser superado e que, a partir de um determinado patamar de investimentos básicos, não há qualquer diferença em se aplicar mais ou menos recursos. As evidências mostram que as escolas podem fazer a diferença na vida das pessoas, o que é especialmente relevante para as crianças oriundas das famílias pobres; comprovam, também, o quanto temas como autocontrole e foco, capacidade de concentração e persistência, solidariedade e interação social promovem o aprendizado, o quanto a frequência à pré-escola incrementa as habilidades de leitura e a compreensão da Matemática mais adiante, etc. Sobretudo, as evidências apontam que escolas eficazes são aquelas que contam com bons diretores e bons professores (os quais possuem, portanto, mecanismos adequados de seleção), que são consistentes em termos de currículo, gestão e articulação com as famílias e que escolas violentas precisam do concurso de psicopedagogos, psicólogos, assistentes sociais e especialistas em prevenção à violência.
Quem tiver interesse no tema pode acessar, gratuitamente, o livro: Educação baseada em evidências: Como saber o que funciona em Educação, do Instituto Alfa e Beto, disponível em: www.alfaebeto.org.br. Há, também, alguns sites brasileiros que priorizam evidências no debate sobre educação e que podem ser muito úteis a professores, gestores e pesquisadores como o “Para melhorar o aprendizado”, disponível em: www.paramelhoraroaprendizado.org.br.
A par dessas inciativas, o movimento da Educação com Base em Evidências ainda não se estabeleceu no Brasil. Há uma dificuldade recente e outra antiga que explica esse atraso.
A primeira é a realidade ameaçadora instalada no governo federal, espaço a partir do qual se passou a desprezar as ciências e as pesquisas e a se atacar sistematicamente a educação pública e as universidades. Esse processo anti-iluminista, aliás, tem sido uma das características marcantes dos governos de extrema-direita em países como Polônia, Hungria e Turquia. Para normalizar o obscurantismo e abrir todas as portas para o deus mercado, governantes populistas precisam desmontar os mecanismos de regulação e crítica, o que é muito importante para as estratégias de privatização selvagem, para a repressão a grupos fragilizados e para a promoção de interesses predatórios da natureza.
A dificuldade mais antiga é aquela associada a uma cultura acadêmica e institucional colonizada por doutrinas e pelo corporativismo que tem sido avessa aos estudos quantitativos e às avaliações de impacto. Para essa vertente dogmática, autodefinida como “progressista”, a simples exigência de medição de resultados basta para que se convoquem rituais de exorcismo contra o “positivismo americano” e outros demônios. A combinação desses dois elementos nos conduz à paralisia e a escolhas equivocadas.
* Marcos Rolim, Doutor em Sociologia e jornalista, escreve mensalmente para o jornal Extra Classe.