Foto: Ricardo Machado
Foto: Ricardo Machado
A gente sabe disso não por ouvir contar, mas por ouvir direto: xingamentos viraram instâncias do diálogo neste Brasil malcriado e mal-educado. Afora a justa indignação, todos se ofendem à toa.
Antigamente é que se xingava cordialmente.
Para xingar um amigo num momento de raiva ou um colega por estranhamento ou até em rusgas conjugais, comum era a gente apelar à agricultura.
A gente mandava a pessoa plantar batatas e ela ia. Quer dizer, os furiosos da ocasião se contentavam em sugerir o plantio, e a ofensa máxima estava feita. Podia-se variar de leguminosa: vá às favas! Pronto, era o que bastava pra encerrar pendengas. Imagina as safras orais!
Recorrer à botânica servia desde a infância: os principiantes mandavam você ir catar coquinho até que, mais crescidos e mais sádicos, gritavam pro desafeto sentar num cacto. Enfim,
discussões acabavam, simples assim, na lavoura ou no jardim botânico.
Num passado meio inocente, o reino animal também contribuía nos conflitos: o mais usado xingamento, até os anos 60, acho, era mandar alguém ir pentear macacos. Tarefa inglória, impraticável, humilhante. Ou mandar o sujeito amolar um bode. Complicada e malcheirosa tarefa, com o risco da recíproca.
Até que nos anos 70 o grande Ivan Lessa inovou o xingão no Pasquim, com vá se roçar nas ostras. Tarefa dolorosa, somente realizável à beira-mar e a exigir mergulhos em apneia.
Dores menores mas ainda ofensivas era mandar vá se lixar ou vá se ralar. Significavam que o insultador estava pouco se lixando pra você e sua pele macia. Insultos desse tipo eram capazes de fazer as pessoas ficarem de mal, veja só.
Entre pessoas com certa religiosidade, mortal era berrar pra ir pros quintos dos infernos. Ou então: vá pro diabo que te carregue! Claro, não deviam funcionar com ateus.
A fúria do momento podia recorrer às intempéries, mesmo em dias límpidos. O xingão favorito, sempre com próclise: Vá pro raio que o parta!
A culinária oferecia branda ofensa: vá fritar bolinhos. Pro machismo da gurizada, humilhava. Ainda na cozinha, de novo Ivan Lessa, que mandava leitores e inimigos entubar uma brachola. Quer dizer, misturava culinária e sexo anal.
Com a química, ofensa intragável: vá lamber sabão. Soda cáustica era castigo moral e físico. É, o produto evoluiu mas ninguém manda ninguém lamber detergente.
E assim, sem as selvagerias do Brasil polarizado, os ofendidos iam cada um pro seu lado, até passar a cólera ocasional.
Não é saudosismo. É exaustão com a pior baixaria, com a impaciência reinante, com o modelo grosseiro do deprimente da república.
Fraga é escritor, humorista, publicitário. Escreve mensalmente para o jornal Extra Classe.