Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
O brasileiro Carlos Ghosn, acusado de roubar da Nissan e de ocultar seus ganhos para sonegar, está envolvido em delitos que somam ao redor de R$ 150 milhões. O caso é cinematográfico, pela sua fama de mais temido e admirado executivo da indústria automobilística mundial, pela soma milionária e pela fuga do Japão para o Líbano.
O brasileiro Deltan Dallagnol, acusado de tentar criar uma fundação dedicada ao combate à corrupção, envolveu-se num projeto de pelo menos R$ 2,5 bilhões com recursos da Petrobras. As cifras dos rolos do poderoso Ghosn são apenas alguns trocados perto do projeto fracassado de Dallagnol.
A fundação de Dallagnol teria o equivalente a quase 17 vezes o dinheiro que Ghosn camuflou para fugir dos controles da própria empresa que presidia e do Fisco. Sim, dezessete vezes.
Ghosn é um pé-rapado, com delitos na casa dos milhões, se posto ao lado da dinheirama dos bilhões que poderiam ter ido parar na fundação de Dallagnol. Mas eles têm semelhanças e diferenças grandiosas.
Ghosn é acusado de ter se apropriado do que não era dele. Dallagnol queria se apropriar do que pensava que poderia vir a ser dele e dos seus aliados, com a desculpa de que assim formariam uma entidade e iriam combater a corrupção. Não seria para uso próprio, diz ele, mas para o bem coletivo.
Seriam R$ 2,5 bilhões da multa acertada entre a Petrobras e as autoridades americanas por danos a acionistas, que iriam para os cofres da tal fundação.
Não há entidade privada no mundo, com feições semelhantes ou dedicada a missões de benemerência e altruísmo, com tanto dinheiro, nem nos Estados Unidos.
Podem dizer que Dallagnol, ao contrário de Ghosn, não roubou nada. Mas podem dizer, como disse a então chefe do procurador, Raquel Dodge, que ele não poderia nem ter tido a ideia de se apoderar do dinheiro em nome do interesse público.
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo, disse a mesma coisa, logo depois de Raquel, em março do ano passado, e trancou a criação da organização de Curitiba.
Há exatamente um ano, em janeiro de 2019, Dallagnol foi flagrado pela imprensa andando calado, quietinho, em direção aos R$ 2,5 bilhões, com a desculpa de um difuso interesse coletivo, que lhe daria o direito de tratar, não se sabe com quem, da gestão da fortuna gerada pela multa.
Ghosn é caçado pela justiça japonesa. Dallagnol teve seu caso arquivado há pouco pelo Conselho Nacional do Ministério Público. O processo estava no conselho porque a tentativa de se apropriar do dinheiro teria sido uma falha disciplinar ou administrativa a ser avaliada internamente.
Nem isso era, segundo o corregedor Rinaldo Reis Lima, que arquivou há poucos dias a acusação feita pelo PT. Dallagnol foi absolvido sumariamente de outras cinco acusações. É aqui que se aprofundam as diferenças entre o nosso executivo famoso e o nosso célebre procurador.
A primeira diferença: a Justiça japonesa não deixará Ghosn em paz, e a Justiça brasileira está passando ao largo do caso de Dallagnol.
Um procurador da República, que se sente no direito de se apropriar de recursos de uma estatal, não cometeu nenhum delito? Não foi flagrado em tentativa de apropriação do que não poderia gerir?
Dallagnol é um sujeito frustrado pelo fracasso de duas investidas como empreendedor. Poderia ser, mas não será nunca mais, um exemplo de meritocracia lucrativa. Fracassou como palestrante de multidões, ao ser flagrado tentando criar uma empresa que o deixaria rico, e fracassou como articulador da fundação de R$ 2,5 bi.
Mas é um sujeito que não fracassa quando se esforça para ficar impune. Mesmo assim, há perguntas que devem ser respondidas. Quais são as relações da turma da fundação com o advogado Modesto Carvalhosa, que seria sócio na partilha dos recursos da empreitada?
O juiz Sergio Moro, que se comportava como chefe de Dallagnol na Lava-Jato, sabia da criação da “ONG”? Com que autoridade a juíza Gabriela Hardt, substituta de Moro na Lava-Jato, autorizou a criação do fundo sem falar com Raquel Dodge?
Moro teria transferido para a juíza, antes de deixar a Lava-Jato, a ingrata tarefa de avalizar o negócio, para não se envolver diretamente na confusão?
Qualquer delito, mesmo não consumado, pode ser enquadrado pelo menos como tentativa. Seu autor se submete a investigação e julgamento, nas mais variadas circunstâncias. Pois Dallagnol não ficou, mas tentou ficar com o dinheiro.
Raquel Dodge disse, e Alexandre Costa concordou que o procurador estava agindo errado, porque o Ministério Público não tem poderes para administrar recursos com essa origem.
Só errado? Um procurador tenta gerir R$ 2,5 bilhões e, flagrado, é acusado apenas de estar agindo errado?
É preciso saber mais dessa história. Quem eram os parceiros de Dallagnol no projeto? Quem faria a gestão da dinheirama? Quais seriam a missão e as tarefas da fundação?
Dallagnol precisa responder, ou a fundação será mantida em segredo como uma das vergonhas e mistérios da Lava-Jato, mais vergonha do que mistério.
O silêncio em torno do caso só foi quebrado agora há pouco pela iniciativa de advogados ligados ao grupo Prerrogativas. Eles prometem ir ao Supremo, para que Dallagnol seja investigado e obrigado a dizer o que ainda não disse.
A fundação é um escândalo, mesmo que não tenha sido criada. Só não tem o tamanho do escândalo que envolve Carlos Ghosn porque a grande imprensa, a Justiça e tudo que cerca e protege a Lava-Jato deixa Dallagnol em paz.
Ele não é incomodado por ninguém. Mas em algum momento o procurador terá de dizer o que pretendia fazer com o dinheiro da Petrobras.
Se não disser, teremos de aguardar que um delator de coragem conte tudo, de acordo com o melhor modelo investigativo dos lavajatistas.