Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
Há uma certa frustração da extrema direita argentina com os resultados das ações impositivas do governo de Alberto Fernández contra a pandemia. A Argentina, com quarentena compulsória, tem uma das menores taxas mundiais de contágio e mortes.
A decepção do novo nazismo foi expressa por um sujeito chamado Julio Carballo, que tentou se projetar como uma das vozes que torcem pela pandemia na província de Córdoba.
Carballo, empresário e suplente de deputado provincial, militante da União Cívica Radical, concedeu entrevista esta semana a uma rádio da cidade de Capilla del Monte, na região central do país, e disse o seguinte: “Espero que esta pandemia faça uma limpeza étnica que todos nós merecemos, com 5 ou 6 milhões de negros a menos, de peronistas a menos, aí talvez esse país arranque”.
O Ministério Público de Córdoba abriu inquérito contra Carballo por incitação racista ao extermínio de negros. O homem afirmou na mesma entrevista, em que agride adversários peronistas e o presidente da República, que é preciso “pôr um pouco de ordem nos quilombos”.
O fascista não citou aleatoriamente o número dos que deseja ver exterminados pela peste. Não foi um acaso. Ele citou o mesmo número de judeus assassinados pelo Holocausto.
No Brasil, o apresentar de TV Marcão do Povo, do SBT, defendeu ao vivo no programa Primeiro Impacto que os infectados pelo coronavírus sejam mandados para um campo de concentração. Assim, diz ele, o governo reduz gastos com a pandemia e corta a ajuda aos Estados.
Ingênuos acham que Carballo e Marcão são dois franco-atirados do nazismo. Os dois são vozes mobilizadas por um sentimento. Eles falam por milhares, e não só pelos racistas brancos.
A pandemia será para todos eles a chance do novo holocausto contra velhos, doentes, pobres, miseráveis, negros, índios e os frágeis que o capitalismo considera descartáveis.
Carballo, sem expressão política, e Marcão, uma das estrelas da alienação e da ignorância na TV, se parecem e têm outros assemelhados na Argentina e no Brasil. Todos defendem a limpeza pela pandemia, enquanto prosperam as vozes da direita propagando o novo mundo que se vislumbrará depois do surto.
É a conversa edificante que camufla a realidade. Bancos se apropriam dos recursos que deveriam repassar a empresários no Brasil. O preço do gás caiu 20% nas refinarias, mas a redução é sequestrada pelas distribuidoras e não chega ao consumidor.
Já foram percebidos no Brasil e na Argentina movimentos especulativos com os preços de alimentos, que comerão os recursos destinados pelos governos aos mais pobres. E a direita, lá e aqui, reavalia seus projetos hegemônicos para quando a vida voltar ao normal.
A direita dita liberal prega que vem aí o mundo imaginado pelos liberais holísticos dos anos 90. Escrevem sobre a redescoberta de afetos, de redes de solidariedade e de gestos grandiosos de filantropia. A direita se apropria até das chances de esperança em meio à desgraça.
Sinceros são os que, como fizeram Carballo e Marcão, apostam na radicalidade de uma direita sem dissimulações, para dizerem o que muita gente quer falar e não tem coragem.
A conversinha da direita liberal, a mesma que contribuiu para a ascensão de tipos como Bolsonaro, é apenas a face cínica do reacionarismo pretensamente piedoso. Nunca tantos economistas liberais defenderam socorro aos pobres, como se se vê todos os dias no Jornal Nacional.
É a candura do liberalismo que nunca saiu em defesa de políticas de afirmação de negros e pobres, que pregou contra o Bolsa Família, que ignorou a destruição do SUS e não se ergueu contra os ataques do bolsonarismo à Amazônia, aos gays, às mulheres e às instituições.
A extrema direita sincera, que mantém intocado o apoio a Bolsonaro, é mais autêntica. Prega que se liberem os controles, que todos voltem a circular e a trabalhar e que o vírus cumpra logo sua missão exterminadora, para que sobrevivam apenas os fortes.
A chance de um novo mundo depois da pandemia é hoje apenas um discurso na boca de fascistas. O negócio agora é vender o remédio milagroso que Bolsonaro apresenta como contraponto ao que resta de racionalidade na guerra contra a pandemia.
O fascismo aposta que estará ainda mais forte depois da peste. Quem sobreviver verá.