Arte: Rafael Sica
Arte: Rafael Sica
Num dia de junho, ao dar de cara com uma charge que era a sua cara, Bozonaro engrenou verbos reativos: emburreceu, emputeceu, enlouqueceu.
Como não bastou gritar basta! pela nª vez, decidiu invocar a Lei de Segurança Nacional. Aquela mesma que, se o senhor não tá lembrado dá licença de alarmar: a da Ditadura. Lei que, na matilha das leis que ameaçavam as liberdades, era um pitbull hidrófobo contra o livre pensar.
Mandou abrir investigação contra o autor. Onde se viu chargista ousar um perfeito retrato falado da presidência? Danação! Dias antes, ódio nos olhos por charges certeiras contra a violência policial, já interpelara na justiça outros 4 chargistas. Se pretos e pobres das periferias continuam na preferência para apanhar e serem mortos, nunca irão faltar charges.
Bozonaro já não sabe o que fazer com o enxame de chargistas ao redor da sua estupidez. São Aroeiras, Laertes, Benetts, Montanaros, Mors, Santiagos, Vasques e Hals, entre outros ferrões. Eles esvoaçam pela mídia e redes à procura do néctar ácido da realidade, com o qual produzem a crítica que tanto azeda Bozonaro e mobiliza a opinião pública. Charge é serviço à sociedade.
Aos zumbidos, Bozonaro até se faz de surdo. Ele mesmo é mais barulhento que qualquer abelheira. As últimas ferroadas é que doeram na alma do desalmado. Aroeira picou mais fundo, ao transformar a cruz vermelha dos hospitais invadidos numa suástica bozonazista. Enquanto o impeachment não vem, serve pichação gráfica.
Ao apelar à Lei de Segurança Nacional, o inseguro chefe do Executivo (que nada executa pro bem do país) mexeu com o vespeiro todo: mais de 150 chargistas aferroaram esse crente da morte e descrente na ciência. Por incitar as viróticas invasões hospitalares, fez jus ao repúdio a traço.
O deprimente da república esquece o óbvio: só uma lei pode impedir charges contra desmandos de governantes e contra a violência policial – basta governar democraticamente e policiar sem truculência. De resto, os ataques de Bozonaro à democracia são mais virulentos que charges denunciadoras dos seus desatinos; e as canetas contra cassetetes, muitíssimo menos violentas que a própria PM.
Bozonaro blefa em vão: não há como conter a inteligência ferina do humor. Nem como inibir centenas de artistas e coibir tantos espaços para manifestação. Tampouco censurar as artes da charge, do cartum, da tira, da caricatura. Ou decretar o uso exclusivo de nanquim rosa para suavizar a imagem do pior presidente que o Brasil já teve.
Quanto menos democracia, mais chargistas e charges.
Fraga é escritor, humorista, publicitário. Escreve mensalmente para o jornal Extra Classe.