Quem faz o movimento negro no Brasil?
Foto: Igor Sperotto
O mês de julho dá visibilidade a um marco histórico na luta por igualdade racial no Brasil e precisa ser reverenciado e pensado, sobretudo pela e para a negritude brasileira em meio à maior crise sanitária do século. Foi no dia 7 deste mês, em 1978, a fundação do Movimento Negro Unificado (MNU), em um evento nas escadarias do Teatro Municipal de São Paulo, na capital paulista.
A pandemia impõe como urgente a discussão sobre o país que queremos – e é imprescindível que a negritude esteja na linha de frente deste debate. É a população negra que está à margem e mais vulnerável, condições impostas pelas persistentes e profundas desigualdades sociais. O país do pós-pandemia não pode ser construído apesar dessas desigualdades, mas a partir delas.
Negras e negros estão pensando a construção de um país mais democrático e inclusivo. Os movimentos negros pautam a libertação a partir da ancestralidade de Zumbi dos Palmares e de Dandara, líderes do principal quilombo da história, o Quilombo dos Palmares, e também a partir de pensadores atuais como o filósofo e jurista Silvio Almeida, a escritora Conceição Evaristo, a filósofa Djamila Ribeiro e a cantora Linn da Quebrada, entre outros. Aqui reside a importância da diversidade nos espaços de poder e de decisão na construção da democracia.
Protestos
Note-se, não é como se os movimentos negros fossem homogêneos e sempre concordassem uns com os outros acerca dos métodos para o enfrentamento do racismo. A exemplo do que ocorreu na década de 1960 nos EUA, em que os líderes Martin Luther King e Malcolm X discordavam na forma de luta, mas eram aliados na causa antirracista, os diversos movimentos negros também.
No Brasil, grandes nomes do movimento hip hop debatem atualmente os rumos da luta antirracista. Após a recente morte do cidadão estadunidense George Floyd provocada por um policial branco nos EUA e os consequentes protestos de grandes proporções no mundo, em plena pandemia, foi importante o debate travado entre rappers nacionais através das redes sociais, entre eles Emicida, Djonga e Mano Brown.
O primeiro defendeu que o melhor neste momento era ficar em casa, devido à crise sanitária e os interesses mórbidos do Governo Federal. Já os outros dois foram efetivamente às ruas com o braço erguido e o punho cerrado ao lado dos demais manifestantes lutar pelo fim do racismo estrutural.
A amplitude dessa discussão demonstra como o movimento negro pode ter diferentes estratégias para a luta política atual, o que é legítimo e de toda a importância para a democracia que queremos.
Resistir, sonhar e agir
Apesar de atualmente, o ódio e a falta de empatia estarem instaurados no poder estatal, encontrando ressonância na sociedade, ainda existe um país diferente, o país de negras e negros como Elza Soares e Gilberto Gil e de aliados históricos como Caetano Veloso, e é esse país que precisa resistir, sonhar e agir.
A data de aniversário do MNU tem esse significado, a (re)existência deste outro Brasil, mesmo em meio ao caos político e sanitário. A democracia somente se concretizará com a refundação das instituições democráticas e representativas, com participação real da sociedade civil (de toda ela, pobres, negros, indígenas, mulheres, LGBTs), com estudos e reflexões obtidas por um corpus plural de indivíduos, o que, infelizmente, nunca vivemos mesmo após a transição democrática em 1988.
Isso tudo demonstra como a luta antirracista não surgiu hoje, pois sempre houve resistência frente às mais variadas formas de expressão racista, que como mencionado é estrutural e atravessa a todos na totalidade dos âmbitos da vida. O racismo encontra eco, portanto, em todas as instituições da República, sejam elas do Poder Executivo, do Legislativo ou do Judiciário e nas relações interpessoais, familiares e sociais de maneira geral, desde tempos coloniais.
Há muito que se aprender com este acúmulo da resistência e da pulsão de vida da maior parcela da população brasileira, a negra, para o enfrentamento das angústias e toda a sorte de desafios impostos pela conjuntura política e pandêmica. Para que todo o povo dessa terra não cante apenas de dor, reflitamos mais sobre a contribuição deste 07 de julho para a nossa história e sobre o pós-pandemia que queremos.
Ritchele Luis Vergara da Fontoura é estudante de Direito na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) e servidor municipal Prefeitura de Porto Alegre (RS) – @negoritchie