A maior bancada negra da história de Porto Alegre
Fotos: PT/PCdoB/PSol/Divulgação
Parece que a branquitude, inclusive aquela detentora das estruturas partidárias do campo progressista, está começando a ouvir as reivindicações históricas do movimento negro.
Não sem uma pressão enorme de movimentos como o Black Lives Matter que sacudiram o mundo neste ano pandêmico. Foi neste ano também que o TSE alterou as regras sobre o destino dos valores para o financiamento de candidaturas.
A partir de 2022, estabeleceu o Tribunal, candidaturas negras devem receber no mínimo 30% do valor total do Fundo Especial de Financiamento de Campanha. Isso tudo explica o exponencial crescimento de candidaturas negras eleitas. Contudo, isso começou a incomodar muita gente acostumada com o poder somente para si e para os seus.
Racismo, ódio e indignação
“Sem nenhuma tradição política, sem nenhuma experiência, sem nenhum trabalho e com pouquíssima qualificação formal.” Essas foram as palavras de Valter Nageslstein (PSD), vereador e candidato derrotado à prefeitura de Porto Alegre, em áudio compartilhado que viralizou, causando revolta nas redes sociais na tarde de terça-feira, 17, a respeito dos recentes vereadores eleitos pelo PSol para a Câmara Municipal. E sentenciou: “muitos deles [são] jovens, negros, quer dizer, [eles são] o eco àquele discurso que o PSol foi incutindo na cabeça das pessoas”. Nagelstein disparou, sem apresentar nenhuma evidência, que o resultado da eleição é reflexo da “ocupação que a esquerda promoveu nos últimos 40 anos, na universidade, nas escolas, no jornalismo e na cultura”.
No Twitter, Laura Sito, eleita vereadora pelo PT no último domingo, junto com Karen Santos e Matheus Gomes, pelo PSol; Daiana Santos e Bruna Rodrigues pelo PCdoB, disparou que o áudio era racista: “O áudio do vereador Valter Nagelstein, que circulou nesta manhã, candidato à prefeitura de Porto Alegre que recebeu apenas 3% dos votos, revela o racismo e intolerância de parcela da sociedade brasileira”.
Matheus Gomes (PSol), um dos cinco vereadores mais votados da cidade, também falou sobre o assunto: “Há pouco ouvi um áudio, gravado por Valter Nagelstein, em que suas palavras destilam o pior do racismo e do ódio à esquerda para “justificar” o seu péssimo desempenho eleitoral”.
Karen Santos (PSol), candidata reeleita e a que recebeu a maior votação dentre todos os vereadores, tuitou que o candidato não sabe perder: “Valter Nagelstein está em crise de choro pelo resultado da eleição. Não sabe perder. Quer criar o instituto pra voltar pra base conservadora, mas não tem espaço pra sua política e quer palanque. Tenta coesionar sua base em cima desse tipo de situação”.
E concluiu: “Não temos que dar palanque pro Valter. Temos uma campanha imensa de segundo turno. Temos milhares de brancos e nulos pra reverter. Essa é a melhor resposta política. Eles vão ter que nos respeitar. Bora fazer campanha”, escreveu, referindo-se ao segundo turno das eleições municipais para a prefeitura da capital. Todos os vereadores negros eleitos declararam apoio à Manuela D’Ávila (PCdoB).
Representatividade negra e feminina
Seguindo a ideia da vereadora mais votada de Porto Alegre, Karen Santos, não vamos dar palanque para o derrotado Valter. Vamos ao que mais deve ser destacado.
Aumentou 500% a eleição de pessoas negras em Porto Alegre. Em 2016, apenas um candidato negro foi eleito na cidade, o já falecido Tarciso Flecha Negra. Agora foram cinco pessoas negras eleitas. A faixa etária na Câmara também está passando por mudanças. Na legislatura que chega ao fim, dos 36 vereadores, 26 têm 50 anos ou mais, e apenas três têm menos de 40 anos.
A partir do ano que vem, 13 terão menos de 40 anos e, dois, menos de 30. Outro interessante dado é o crescimento do PSol, que agora possui quatro assentos, igualando a marca do PT e do PSDB, que também terão as maiores bancadas, com quatro vereadores cada. Com exceção do PSDB, nas maiores bancadas citadas terá ao menos um(a) vereador(a) negro(a).
Só para se ter uma ideia da dimensão do momento histórico que a comunidade negra está vivendo na cidade de Porto Alegre, é a primeira vez, com exceção de suplências, desde 1996, que uma mulher negra é eleita vereadora no município. Naquele ano, Porto Alegre elegeu aquela que seria a primeira – e até hoje única – mulher negra para um mandato na Câmara de Vereadores. Natural de Rio Pardo, Teresa Franco ficou conhecida como “Nega Diaba” e pelas participações no programa de Sérgio Zambiasi, na rádio Farroupilha. Ela era filiada ao PTB.
O crescimento da representatividade feminina, assim como o de pessoas negras, é um dos mais importantes resultados da eleição desse ano. Serão 11 mulheres na Câmara, o equivalente a 30,5% do plenário. Quatro dessas mulheres são negras e atuarão juntas no Legislativo Municipal a partir de 2021.
Não se pode sempre estar contra alguma coisa. A história que a negritude tem contado é a de que ela está por alguma coisa. Está por uma cidade mais justa, plural e inclusiva. Onde os direitos humanos e os direitos fundamentais de todos sejam respeitados. Importante momento histórico para reafirmarmos que queremos ser lembrados nos livros de História que estávamos ao lado de quem quer escrever a História do Brasil com tintas de todas as cores. Bom Novembro Negro a todos nós.
*Ritchele Luis Vergara da Fontoura é estudante de Direito na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) e servidor municipal Prefeitura de Porto Alegre (RS) – @negoritchie