O negacionista precisa falar dele mesmo
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Osmar Terra é hoje o mais importante doente de Covid-19 no Brasil. O médico se transformou numa usina de controvérsias, desde o começo do surto, quando assumiu, como figura pública, a tarefa de avisar que não aconteceria nada.
O único personagem com função pública capaz de concorrer na época com Osmar Terra, quando o Brasil se deu conta do tamanho da peste (menos ele, que duvidava de tudo), foi o então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. Cada um andando para um lado. Bolsonaro só entrou de fato no baile do negacionismo mais adiante.
Pois Osmar Terra, o líder ‘científico’ dos negacionistas, o homem que anunciou em abril o fim da pandemia para maio, foi infectado agora, sete meses depois da sua previsão.
No final de abril, ele assegurou: “Mantenho tudo que disse (de que as mortes não passariam de 2 mil), inclusive que estamos no pico da epidemia e que deveremos ter, a partir de agora, uma diminuição de internações hospitalares de casos do Covid”.
Terra informou que estava infectado no último dia 13, quando adiantou que se tratava com hidroxicloroquina. Está internado no Hospital São Lucas da PUC, em Porto Alegre, desde domingo. O vírus o infectou para provar, da pior forma possível para ele, que suas previsões eram equivocadas.
Por isso não há hoje no Brasil outra figura que mereça mais atenção, no noticiário sobre a Covid-19, do que o deputado da extrema direita negacionista, que ajudou a abastecer Bolsonaro com suas teses contra qualquer tipo de controle.
Terra não foi apenas um vidente desastrado. Médicos e cientistas o acusaram de induzir ao desleixo, ao risco e à morte, ao dizer que o isolamento social ajudava no alastramento da infecção e ao virar propagandista da cloroquina, que ao invés de salvar pode matar.
E o que se sabe oficialmente de Terra? Que está internado para revisão do seu quadro geral, conforme ele mesmo informou, e para fazer fisioterapia. Um boletim do hospital avisou, na tarde de segunda-feira, que ele se encontrava “estável e sentindo-se confortável, com bom padrão respiratório, respondendo às medidas adotadas até o momento”.
Mas, ao final da tarde da mesma segunda-feira, o repórter Fábio Schaffner, de Zero Hora, revelou que não era bem assim. O deputado estava na UTI, com uma infecção pulmonar grave, e respirava com a ajuda de uma máscara de oxigênio.
Terra é médico, especialista em saúde e com mandato popular. É mais do que um protagonista do negacionismo. A população que o ouviu durante todos esses meses com suas previsões erradas tem o direito de saber o que se passa com ele.
Não se sustenta a desculpa de que as informações são de ordem privada. Terra é homem público e fez uso de opiniões públicas, falando como médico e deputado, para se posicionar em relação à pandemia. Subestimou a peste mundial que já matou 170 mil pessoas no Brasil.
Suas falas e suas atividades, desde abril, têm quase sempre relação direta com a pandemia. A população que ouviu seus conselhos, e não só os seus eleitores, precisa saber o que se passa com o deputado que não deveria estar internado, se o seu raciocínio esdrúxulo sobre a evolução da Covid-19 estivesse certo.
Se Osmar Terra soubesse de fato o que dizia, estaria andando por aí, sem máscara e sem nada a temer, porque a pandemia já teria acabado há muito tempo.
O deputado concedeu, desde abril, entrevistas quase diárias sobre o que achava da situação coletiva dos outros e como pretenso orientador de condutas. Se estiver bem de saúde, e esperamos que esteja, deve contar o que sente sobre a própria situação.
Sabemos de doentes que ficaram dias na UTI sem perder contato com os familiares, conversando diariamente por mensagens no celular, porque isso era possível e lhes fazia bem.
Chegou a hora de Osmar Terra falar dele mesmo, de forma direta, sem volteios, com transparência e com respeito aos que o escutaram, acreditando ou não no que ele dizia.