É preciso abrir a caixa-preta da Lava Jato
Fotos: Lula Marques
Graças a Walter Delgatti Neto, que entrou para a história como o “hacker de Araraquara”, hoje é possível conhecermos a verdade sobre a Operação Lava Jato. Os milhares de gigabytes que se encontram em poder da Justiça contêm diálogos capazes de revelar os segredos inconfessáveis do projeto político de Sergio Moro e seus comparsas do Ministério Público Federal (MPF). Abrir essa caixa-preta é tarefa urgente, que possibilitará desvendar a manipulação fraudulenta do sistema de justiça brasileiro e esclarecer os verdadeiros interesses que alimentaram a chamada Operação Lava Jato.
O povo brasileiro precisa conhecer a verdade sobre a Operação Lava Jato. Fato é que nem o premiadíssimo jornalista Glenn Greenwald e nem a Defesa do ex-presidente Lula devem ter o monopólio do acesso às mensagens trocadas entre a força-tarefa e o então juiz Sergio Moro, que por evidente interesse nacional devem ser de conhecimento público.
O material obtido por Walter Delgatti Neto e que hoje está em poder da Justiça contém mensagens funcionais trocadas entre os integrantes da autodenominada Força-Tarefa e o então juiz Sergio Moro. Tais mensagens dizem respeito ao exercício do cargo ou função pública e não estão acobertadas pelo sigilo de comunicações.
Trata-se do direito fundamental à informação, inerente ao Estado Democrático de Direito e contemplado no art. 5º, XXXIII, da Constituição Federal: “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”.
Assim, é legítimo que um grupo de funcionários públicos possa se reunir presencial ou virtualmente para tratar de assuntos particulares, afetivos e reservados, assim como quaisquer cidadãos, sem que haja nenhum interesse público nessa reunião. Todavia, se esse mesmo grupo de funcionários públicos passar a se reunir para discussão de questões funcionais e estratégicas relacionadas ao exercício do cargo público, não há que se invocar o mesmo direito à privacidade e à intimidade inerentes a qualquer cidadão. Ao contrário, quando a comunicação funcional busca guarida em mecanismos sigilosos, os agentes públicos devem prestar contas sobre as razões da confidencialidade, sob pena de violação ao direito fundamental à informação.
No caso, as mensagens apreendidas pela Operação Spoofing revelam que um grupo de procuradores da Força-Tarefa do MPF mantinha frequentes diálogos pelo aplicativo Telegram, entre si, com o então juiz Sergio Moro e com autoridades estrangeiras, situações em que elaboravam estratégias, desempenhavam funções públicas e praticavam atos processuais.
Portanto, não há que se falar em sigilo das mensagens funcionais apreendidas pela Operação Spoofing. É de rigor que todas as mensagens funcionais sejam publicizadas e que se proceda à devida apuração da responsabilidade disciplinar e criminal de todos os envolvidos, em atenção aos princípios da indisponibilidade do interesse público e da supremacia do interesse público sobre o interesse privado.
Hoje, está claro que a anunciada “luta contra a corrupção” não passou de cavalo de Troia em que se ocultava um projeto político, econômico e ideológico, contrário à soberania popular e fracassado nas urnas, que ascendeu fraudulentamente ao poder. A curva autoritária da década de 2010 nos deixou a lição de que inexiste verdadeiro combate à corrupção sem instituições republicanas independentes, imparciais e leais à Constituição Federal. Nenhuma corrupção é maior do que a própria ruína da soberania popular e dos direitos fundamentais pelas práticas do soberano de plantão.
Já não é segredo que o juiz era parcial e que os procuradores queriam a cabeça de Lula. Não houve processo, apenas a dissimulação de uma caçada contra o inimigo político. Nunca se buscou justiça, apenas a implementação fraudulenta de um projeto ideológico de poder. Que o Supremo Tribunal Federal finalmente reconheça o que todos nós sabemos foi o primeiro passo. Mas não podemos nos contentar com meias-verdades de uma caixa-preta entreaberta. O direito à intimidade não pode servir de escudo para que agentes públicos conspirem contra o Estado Democrático de Direito, pois direitos fundamentais são limites e não instrumentos da violência estatal. Lula merece, enfim, um julgamento justo, mas, acima de tudo, o povo brasileiro merece conhecer a verdade.
*Fernando Hideo I. Lacerda é doutor e mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (USP). Advogado e sócio-fundador do escritório Serrano, Hideo e Medeiros Advogados. Professor nos cursos de graduação e pós-graduação da Escola Paulista de Direito.