OPINIÃO

A boiada da bandidagem

Por Moisés Mendes / Publicado em 26 de maio de 2021

Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

O ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles e o presidente Jair Bolsonaro falam à imprensa, após encontro no ministério.

Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

Passar a boiada na Amazônia tem um significado bem mais amplo do que aquele imaginado pelos mais ingênuos, desde a famosa frase do ministro Ricardo Salles.

Só os ingênuos achavam que, ao abrir a porteira para a ação de grileiros, desmatadores, incendiários e contrabandistas, Salles (sempre com o aval de Bolsonaro) estaria beneficiando apenas invasores de terras protegidas.

Passar a boiada significa também deixar que devastem a floresta, matem índios e roubem o que estiver à mão. Significa ainda roubar junto, não só por omissão e por vista grossa, mas por convivência com os ladrões e por participação ativa no roubo.

Passar a boiada é deixar o território livre de fiscais para a ação de todo tipo de delinquente e assaltante, o que inclui de fazendeiros a garimpeiros.

Salles flanou, sem qualquer risco mais sério, desde a reunião ministerial de abril do ano passado em que avisou Bolsonaro: vamos aproveitar a pandemia a passar a boiada, afrouxar os controles, mudando normas e leis e mandando embora os fiscais que levam a sério o que fazem.

Salles flanou porque a grande imprensa permitiu que flanasse. A Polícia Federal, que cercou Salles formalmente agora, sabe desde sempre que o ministro se envolvia diretamente com os saqueadores da floresta.

A imprensa poderia ter participado desse cerco, se tivesse saído atrás das pistas que levariam aos donos dos bois protegidos por Salles e pelo ex-presidente do Ibama Eduardo Bim. Mas a imprensa tratou Salles como se fosse apenas um omisso.

Não há nada que explique as ações de Salles na Amazônia, em nome de Bolsonaro, que não passe pela proteção às quadrilhas organizadas de fazendeiros, madeireiros e garimpeiros.

A proteção não se dá por motivação política. Não é a política que sustenta a obsessão de Bolsonaro em proteger os que destroem a floresta, sempre com o argumento de que é preciso oferecer alternativas econômicas aos moradores da região.

Bolsonaro é aliado da destruição da mata, mas sem que nada consiga provar que o interesse é até mesmo ideológico ou genericamente econômico, de defesa das demandas da região.

O emissário Salles movimenta-se em torno de interesses financeiros escusos e imediatos. Não há tantos eleitores no Norte e no Centro do país que possam explicar a determinação de Bolsonaro em agir ao lado dos fora da lei.

Não há lideranças políticas expressivas, como existem ali ao lado, no Nordeste. Não há, em síntese, densidade eleitoral que justifique uma eventual tentativa de conquistar influência, votos e poder político.

Bolsonaro quer estar ao lado do poder marginal que ameaça a floresta, livre de controles das estruturas do governo e da Justiça. Salles, o ministro blindado, é o seu preposto.

O Norte, com apenas 7,8% do eleitorado, e o Centro-Oeste, com 7,3%, têm somados somente 15% dos eleitores do país.

Isso equivale a um terço do eleitorado do Sudeste, com 43,38%. A soma de Norte e Centro-Oeste é pouco mais do que a metade do eleitorado do Nordeste, com 26,63%, e é igual ao eleitorado do Sul, de 14,53%.

O Norte e o Centro-Oeste são o faroeste de Salles e Bolsonaro. Grilagem, matança de índios, garimpo ilegal e contrabando mobilizam os enviados do
bolsonarismo na direção da cumplicidade com os criminosos.

Salles, Bolsonaro e políticos da região (a PF terá que identificar todas as ramificações das quadrilhas) desafiaram não só a polícia, o Ministério Público e a Justiça. Eles decidiram passar a boiada e se aliar a ladrões de madeira sob os olhares do mundo todo.

Salles agia como protetor de contrabandistas sabendo que a Europa e os Estados Unidos estavam vigiando seus movimentos. Tanto que o alerta de que estavam fazendo exportações criminosas de madeira da Amazônia foi enviado ao Brasil pelos americanos.

Quando o roubo vem à tona, é estranho que a Procuradoria-Geral da República, que deveria defender os interesses da República, e não os de Bolsonaro, tenha tentado tirar o ministro Alexandre de Moraes da relatoria do caso.

É estranho o silêncio dos militares, sabendo-se que o Conselho Nacional da Amazônia é presidido pelo vice-presidente Hamilton Mourão. Mas não é estranho que Bolsonaro ainda esteja protegendo Salles.

Estamos no começo do desbaratamento das gangues da floresta. Pegaram os chefões e os milicianos da mata protegidos pelo governo. É preciso pegar os milicianos urbanos que protegem a família no poder e dela recebem proteção.


Moisés Mendes é jornalista. Escreve quinzenalmente para o jornal Extra Classe.

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