Aulas on-line: uma questão de comunicação
Foto: Pexels
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Discutir sobre as reinvenções das rotinas escolares durante a pandemia já ganhou, em alguma medida, o status de obviedade. No primeiro semestre de 2020, elas eram sobretudo estupefação frente ao desconhecido. Atualmente, no entanto, a surpresa deu lugar à assimilação.
É claro que o deslumbramento frente à operacionalidade das ferramentas digitais e os desafios que esse novo formato às pressas imprimiu às rotinas escolares são combustível não só para inúmeras discussões pedagógicas, mas também escondem uma desigualdade social brutal.
Mesmo as escolas que dispõem das melhores estruturas possíveis encontram um limite de atuação quando o que está em jogo é a interação entre os professores e os estudantes. Queixa-se, com razão, do silêncio das aulas virtuais.
Silêncio
Tecnicamente, silêncio significa a ausência de sons audíveis. No entanto, essa palavra também possui alta carga simbólica em determinados contextos. Em algumas ordens religiosas, por exemplo, o silêncio pode significar introspecção.
A falta de barulho nas salas de aulas virtuais não tem relação com sabedoria ou contemplação interna, mas sim com a ausência de interlocução. Fala-se às câmeras como em um programa de tevê sem auditório, inferindo a reação de um distante público.
Limite comunicacional
A verdade é que existe um limite comunicacional na interlocução digital, que é extremado frente às câmeras e aos microfones fechados. O amplo acesso às tecnologias promoveu uma revolução comunicativa, na medida em que qualquer sujeito com acesso à internet pode ser um enunciador em potencial. Nunca foi possível dizer tanto (ou tão pouco) para tantas pessoas e de forma tão impessoal.
Discorda-se, xinga-se, calunia-se, dissemina-se qualquer tipo de informação sem o compromisso do olho no olho, nadando num mar de impassibilidade. Em consequência dessa comunicação distante, não há hierarquia. E aqui essa palavra não pode ser compreendida como sinônimo de estrutura de ordem e subordinação, mas sim como uma condição básica para que a comunicação se efetive em sua totalidade: conhecer e observar, enfim, “ler” as reações do rosto e do corpo do receptor da mensagem, por exemplo, também faz parte da modulação do ato comunicativo.
Saber com quem se fala e de onde se fala faz parte de um dos pressupostos do saber se comunicar. Nas plataformas de aulas on-line, rostos deram lugar a frios avatares, a expressão facial dilui-se no desconhecido, o ambiente da sala de aula residiu no abstrato do virtual, o silêncio imperou – e apenas a voz do professor lhe foi resistência. E onde não há hierarquização comunicativa não há assimetria. Ou seja, a comunicação virtual é simétrica: os interlocutores, por meio da impassibilidade perspectivada por meio do silêncio, não conseguem se perceber como sujeitos inseridos em uma situação comunicativa hierarquizada.
Dessa forma, a palavra do professor na maioria das vezes parece se perder em um lugar abstrato em que não é autoridade e nem mesmo desimportância, mas simplesmente vazio. A abertura das câmeras por parte dos estudantes em suas casas ameniza um pouco esse distanciamento, mas não o resolve, na medida em que ainda opera na realidade de um canal digital.
Educação e tecnologia
A pandemia ensinou à educação que a tecnologia é uma grande aliada e foi, claro, uma ferramenta de salvação no contexto quase distópico em que vivemos. No entanto, para além dos estimulados discursos dos tecnocratas da educação, essa mesma tecnologia mostrou ter certos limites, além de asseverar, de uma vez por todas, que a presença do professor é insubstituível e que, mais do que nunca, precisa ser valorizada em todas as instâncias possíveis. Nesse sentido, a pandemia pode ter levado as discussões sobre a relação entre tecnologia e educação a um novo patamar de maturidade.
Além do mais, o incômodo do silêncio das aulas on-line demonstra, em última medida, o quanto um modelo de educação autoritário é retrógrado, consolidando uma das bases da pedagogia freireana, que é a interação coletiva alicerçada no diálogo. É nesse sentido que se torna cada vez mais urgente que, junto ao processo de imunização que nos desenha no horizonte um mundo sem máscaras, discuta-se de que forma a experiência do virtual possa ser utilizada como base para se aprimorar o presencial, que é onde, de fato, a educação – e a comunicação – acontecem.
Cristiano Fretta é professor de Português e Literatura nos colégios Santa Inês e Marista Rosário, de Porto Alegre