É preciso enegrecer os espaços da comunicação
Foto: Claudio Fachel
Ano 2005: “O negro na mídia, a invisibilidade da cor”. Ano 2021: “A gente não se vê por aqui”. Qualquer semelhança entre os títulos de duas publicações com abordagem sobre a participação e visibilidade, ou melhor, invisibilidade dos negros e negras no telejornalismo gaúcho não é mera coincidência.
O Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) do jovem negro e agora jornalista Gabriel dos Santos Bandeira, merecedor de nota dez, quando da sua recente apresentação no cenário virtual da Faculdade de Comunicação, Artes e Design (Famecos), da PUC/RS, reaqueceu, com sua ampla divulgação nas redes sociais, um antigo debate e por demais conhecido da militância do povo negro do Sul do país.
Onde estão os pretos e as pretas no telejornalismo? A pergunta do Gabriel Bandeira transcende as fronteiras do Rio Grande Sul e é reveladora da significativa ausência de caras negras no cenário das redações de todo o país.
De acordo com a pesquisa e o levantamento realizado junto a 134 profissionais para o TCC, os negros são apenas 5,97% dos repórteres e apresentadores no telejornalismo gaúcho. Ou seja, o Rio Grande do Sul tem uma sub-representação de oito negros na telinha da TV que contabiliza cinco homens e três mulheres.
Para nós, com uma militância há mais de 50 anos, a recente informação não nos surpreende, mas indica que urge reacender o debate em torno da participação e inclusão de negros e negras nos espaços diversos das redações e novas mídias.
Uma avaliação que não deve ficar restrita apenas ao povo negro, mas junto aqueles que acreditam que sim, é possível, fazer a transformação por uma sociedade inclusiva, mais justa e igualitária. As palavras que aqui se apresentam não são de efeito literário. Elas nos conduzem a um cenário mais amplo que nos faz exercitar o pensamento daquele que constrói a notícia do que é ser negra e negro neste país construído e reconstruído com as mãos do trabalho escravo.
A escravidão não deve nunca ser esquecida e nem empurrada para baixo do tapete, porque o mundo do trabalho na terra brasileira, mesmo em tempos de avançada tecnologia, ainda aponta que o dia seguinte da abolição, o 14 de maio, persiste visível no subemprego, muito antes da tragédia da pandemia do novo coronavírus se instalar e afetar sensivelmente a população preta.
O indicativo condutor da frase apresentada na linha de abertura guarda a sua origem num passado recente – apenas 16 anos – nos remetendo a uma pesquisa encomendada pelo Núcleo dos Jornalistas Afro-brasileiros do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do RS (Sindjors) que escancarou, igualmente com o mesmo vigor, que o Rio Grande do Sul resguarda com muito afinco o seu preconceito, discriminação e racismo. Fatores determinantes do lugar ofertado aos trabalhadores negros e negras.
A solidão de não encontrar nesses espaços pares iguais demanda um super esforço psíquico de comprovação de saberes e competência. Informes que se escancaram, no dia a dia, e nem sempre identificados ou mesmo reconhecidos pelas chefias nas redações.
Aqui, mais do que nunca, cabe observar o que as duas chamadas que abrem o texto têm em comum. As atuais revelações do TCC de Gabriel Bandeira reforçam o lugar reservado aos profissionais da comunicação na maioria das redações desse país, ou seja, indicadores que só confirmaram e dão veracidade aos dados da pesquisa encomendada, em 2005, pelo Núcleo dos Jornalistas Afro-brasileiros do Sindjors: Desigualdade na Mídia do Rio Grande do Sul: A (in)Visibilidade dos Jornalistas Afro-brasileiros.
O estudo desenvolvido, na época, sistematizou e analisou indicadores “que revelaram a dimensão das desigualdades raciais nos veículos de comunicação gaúchos”. A pesquisa feita pela então universitária do curso de Sociologia da Ufrgs, Agnéa Magali Winter, já revelava a ausência de profissionais negras e negros nas redações. E se comparamos os indicadores atuais com a materialidade das informações de 2005 observaremos que o número de jornalistas negros nas bancadas com visibilidade nos canais de TVs eram apenas três.
Os dados apresentados na pesquisa atual repercutiram nas diferentes mídias para além do solo gaúcho. Um fato que indica a urgência na abertura de portas no mercado da comunicação para além dos canais de TV. Enquanto isso não acontece, fico na espera de uma mídia mais plural e representativa da diversidade brasileira. E mais do que nunca é preciso enegrecer o mercado!
Vera Daisy Barcellos é jornalista, militante do Movimento Feminista das Mulheres Negras e presidenta do Sindjors