OPINIÃO

Novo Ensino Médio: imposição gerará desigualdades

Por Sani Cardon / Publicado em 19 de agosto de 2021

Foto: Arquivo/Agencia Brasil

Foto: Arquivo/Agencia Brasil

Para compreendermos a implementação da reforma do ensino médio que ocorrerá a partir do ano de 2022, precisamos fazer um pequeno resgate histórico, envolvendo as fontes primárias e secundárias da legislação brasileira.

Infelizmente, muitas decisões passam à margem da sociedade, sendo deliberadas por políticos que são levados a impor posições que acabam beneficiando uma ou outra parcela da população.

Foi o que aconteceu com a reforma do ensino médio. A comunidade envolvida, como estudantes, familiares, técnicos na área da educação e professores, foi excluída das discussões.

E, de forma arbitrária, por Medida Provisória, no ano de 2016, o presidente do Brasil na época, Michel Temer, enviou para o Congresso tal medida, que mesmo não sendo uma lei, representa uma força de lei e entrou em vigor após a sua publicação.

O mais curioso foi que, entre o “apagar das luzes” de 2016 e o início de 2017, o Congresso Nacional transformou a MP em lei, sem dar a possibilidade da sociedade de se manifestar.

Cabe aqui ressaltar que a reforma do ensino médio se confunde com a Base Nacional Comum curricular (BNCC). Porém, a BNCC, ao contrário da reforma do ensino médio, passou por um processo altamente democrático, com início em 2014, no governo de esquerda, que delegou os estudos e a sua reformulação para centenas de técnicos da área da educação, espalhados por todo o Brasil, e contou com inúmeras audiências públicas e escutas da comunidade escolar, recebendo, inclusive, através de um site próprio, milhões de contribuições. Com a mudança de governo, houve a troca dos técnicos e essa iniciativa foi abortada. Estabeleceu-se aqui uma clara política de governo em detrimento de uma política de Estado.

Na carona veio, então, a reforma do ensino médio com inúmeros pontos polêmicos como, por exemplo, a obrigatoriedade somente da Língua Portuguesa e Matemática nas três séries do ensino médio, contradizendo a própria BNCC, que tem como um dos seus pilares a Educação integral do jovem estudante, como destaco a seguir.

Nesse contexto, a BNCC afirma, de maneira explícita, o seu compromisso com a educação integral. Reconhece, assim, que a Educação Básica deve visar à formação e ao desenvolvimento humano global, o que implica compreender a complexidade e a não linearidade desse desenvolvimento, rompendo com visões reducionistas que privilegiam ou a dimensão intelectual (cognitiva) ou a dimensão afetiva.

Significa, ainda, assumir uma visão plural, singular e integral da criança, do adolescente, do jovem e do adulto – considerando-os como sujeitos de aprendizagem – e promover uma educação voltada ao seu acolhimento, reconhecimento e desenvolvimento pleno, nas suas singularidades e diversidades. Além disso, a escola, como espaço de aprendizagem e de democracia inclusiva, deve se fortalecer na prática coercitiva de não discriminação, não preconceito e respeito às diferenças e diversidades.

Outro ponto que gerou e gera muita polêmica foi o ‘notório saber’. Enquanto países desenvolvidos exigem formação mínima de mestrado na área de educação para a ministrar aula, aqui se discute a possibilidade de se exigir apenas conhecimento técnico. Como se, para dar aula e criar espaços de aprendizagens, não precisasse ter didática, noções de relações com o outro, entender de processos avaliativos, entre outros.

A reforma do ensino médio está flexibilizando o que a própria Lei ordinária da Educação, que é a Lei de Diretrizes de Base (LDBEN), regra no artigo 62: A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nos cinco primeiros anos do ensino fundamental, a oferecida em nível médio na modalidade normal.

Sem falar nas propagandas contraditórias, veiculadas pelo governo federal, que afirmam que os estudantes terão liberdade para escolher os seus itinerários formativos. São as mantenedoras, por escolhas ou parcerias firmadas, quem oferecerá os itinerários, no mínimo dois.

Poderíamos abordar inúmeros outros aspectos, entretanto, somente com esses pontos elencados constatamos que os estudantes terão prejuízo na sua formação integral, professores perderão espaços e o distanciamento da qualidade da escola privada aumentará em relação à escola pública.

*Sani Cardon é professor, Doutor em Educação. Representa o Sindicato dos Professores do Ensino Privado do Rio Grande do Sul (Sinpro/RS) no Conselho Estadual de Educação do RS (CEEd-RS).

Comentários