O repugnante descaso com a juventude
Foto: José Cruz/Agência Brasil
Falta de renda, perspectivas profissionais e dificuldades para se manter nos estudos são realidade entre os jovens. De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), mais de um em cada seis jovens deixou de trabalhar desde o início da pandemia.
O desemprego entre os jovens é elevado no Brasil e quando eles conseguem a inserção, na maior parte das vezes, é no mercado informal. A taxa de desemprego é mais que o dobro da média. De acordo com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE, nesse ano o desemprego geral é de 15%, porém, entre os jovens de 19 e 24 anos já está em 30% – a maior taxa na última década; e entre aqueles com até 18 anos é de 46,5%.
Realidade brasileira
No Brasil o jovem pode ser um estagiário, um aprendiz, um concursado, celetista ou um informal, sendo que qualquer um desses vínculos registram características precárias de ingresso ou permanência.
O estágio não cria vínculo empregatício, a empresa fica isenta de encargos trabalhistas como FGTS, 13º salário, férias e outros.
O estagiário recebe apenas uma bolsa-auxílio e para isso precisa estar estudando.
Só tem cobertura previdenciária se fizer o pagamento voluntariamente. Há um limite de estagiários por empresa, que pode representar no máximo 20% do quadro funcional.
O Brasil ainda tem um grave problema com a formação de estatísticas sobre esse contingente. De acordo com a Associação Brasileira de Estágios (Abres) existem hoje no país 900 mil estagiários – e aí não estão apenas jovens, porque o estágio não está vinculado à faixa etária e sim ao estudo.
Dados do Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE) apontam que a média de bolsa-auxílio não passa de R$ 900,00.
O vínculo de aprendiz tem como foco jovens de 14 a 24 anos que estejam cursando o ensino fundamental ou médio.
O jovem deve receber formação na profissão para a qual está se capacitando. Para o empregador é um contrato mais barato. Tem como parâmetro o salário-mínimo/hora, inclui direito a férias, 13º salário e cobertura previdenciária, mas o empregador paga FGTS menor, não recolhe o 8% mensal como os demais celetistas, ficando em apenas 2%, ou seja, uma alíquota 75% inferior à normal.
Por ocasião do desligamento, o empregador fica isento ao pagamento do aviso prévio e multa rescisória, além disso os contratos podem ter duração de até 2 anos.
As empresas devem contratar um número de aprendizes equivalente a um mínimo de 5% e um máximo de 15% do seu quadro de funcionários cujas funções demandem formação profissional.
O fato é que boa parte das empresas não cumpre, falta fiscalização, o poder público quando celebra contratos com empresas privadas não exige esse tipo de comprovação.
Os concursos que estão cada vez mais escassos e, portanto, com concorrência crescente, são distantes do jovem da periferia. Se houvesse mais oportunidades poderia ser uma porta de entrada para jovens no mercado de trabalho, livre de discriminação.
Numa seleção simplificada sabemos que critérios como morar perto do trabalho (subsídio ao transporte reduzido), não ter filhos, ter experiência, rede de contatos, “boa” aparência, etc., são critérios de seleção pelas empresas.
Aliado a isso, os jovens trabalhadores são os que registram maiores índices de rotatividade no mercado de trabalho. Dos cerca de 4,3 milhões de celetistas de 18 a 29 anos admitidos formalmente em 2021, 74% foram contratados por reemprego (Novo Caged/Ministério da Economia), o que demonstra a alta rotatividade que enfrentam.
E o que o governo tem feito?
O governo indicou duas propostas que de acordo com o ministro da Economia deveriam criar 2 milhões de empregos em poucos meses. Tamanha era a mentira, que o Senado rejeitou – tratava-se da MP 1.045/2021, aquela do Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda por conta da pandemia.
O relator, deputado Christino Áureo (PP-RJ) incluiu no projeto a proposta da carteira verde e amarela, argumentando que o programa era de “estímulo ao primeiro emprego” (Priore) e um regime de “qualificação profissional para trabalhadores do setor produtivo” (Requip), ambos voltados para jovens de 18 a 29 anos.
Com esses programas, as empresas poderiam pagar salários inferiores ao salário-mínimo. As propostas não concediam vínculo empregatício e ainda flexibilizavam os direitos mínimos previstos na CLT. Com os dois programas as empresas poderiam contratar até 45% do atual número de empregados nessas condições rebaixadas e cada celetista precarizado contratado dispensaria o empregador da contratação de um aprendiz, reduzindo o cumprimento das cotas existentes hoje.
O governo que exige 40 anos de contribuição previdenciária para ter direito à aposentadoria, incluindo 100% dos vencimentos para cálculo da média, é o mesmo que propõe que trabalhadores fiquem sem garantia previdenciária na juventude e recebam valores inferiores ao salário-mínimo vigente.
Outra proposta do governo é a Reforma Administrativa (PEC 32) que prevê o fim do concurso público e da estabilidade, tornando ainda mais difíceis e cruéis as chances de ingresso no mercado formal, não apenas entre os jovens, mas também para as mulheres e negros – que são os grupos mais discriminados, seja no momento do ingresso ou por conta das condições de permanência.
Outro ponto que deve ser destacado é o desprezo do governo no que diz respeito à evasão escolar. Nenhum dos dois programas ofertados condicionava permanência nos estudos formais. No Brasil, hoje, 33% dos jovens que completaram 19 anos de idade não concluíram o ensino médio, quando deveriam já estar em uma universidade. No caso do Rio Grande do Sul, esse percentual é ainda maior: 37%.
Esse abandono à juventude se dá diante de duas realidades: uma delas é a questão demográfica.
O bônus demográfico encurtado ainda mais pela pandemia, está se encerrando e sendo desperdiçado.
Economicamente esse bônus implica em um maior número de pessoas geradoras de força de trabalho, que serve como combustível para a produção industrial e mercadológica, gerando riquezas, elevando a economia e consequentemente suas rendas, ampliando a melhoria das condições de vida.
O investimento em educação, deveria ser central/estratégico com maior ênfase nesse período, para que a população estivesse preparada no futuro para depender menos de ocupações “braçais” e de baixa qualificação/remuneração, quando haverá uma parcela de inativos/dependentes bem maior para proteger.
A outra questão é que o governo despreza as mudanças que se avizinham, como a Sociedade 5.0 – novos modelos de organização social em que tecnologias como Big Data, Inteligência Artificial e Internet das Coisas são usadas para criar soluções que transformam não apenas o mercado de trabalho, mas a sociedade.
Em pesquisa realizada pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) durante a realização do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) de 2018, jovens ao serem questionados sobre o que desejam para sua carreira indicam empregos com alto risco de automação – isso ocorre principalmente entre aqueles em desvantagem socioeconômica.
Para superar isso é necessário dar oportunidades, dentro do ambiente educativo, para que entrem em contato com novas profissões. Em contraste a isso o governo apresenta programas descolados do ensino, que visam a oferta de mão de obra jovem e barata para o mundo.
E para aprofundar o problema, ocorre a implantação do Novo Ensino Médio, que consiste na renúncia ao ensino generalista substituindo pelos chamados “itinerários formativos”.
Na atual conjuntura a situação sempre pode piorar
A MP 1.045 foi rejeitada pelo Senado, porém, o Projeto de Lei 5.228/2019 (Lei Bruno Covas), cujo relator foi o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), já foi aprovado em maio de 2021 pelo Senado e remetido à Câmara dos Deputados, onde está tramitando.
Trata-se de outra tentativa de precarizar o trabalho dos jovens, rebaixando as exigências do contrato de aprendizagem, que já é baixíssima, reduzindo a cota patronal de previdência vigente, e também o FGTS, o que irá ampliar a utilização pelas empresas dessa mão de obra barata.
E como se não bastasse, incluíram essa pérola: o art.9 da Lei prevê que o empregador fica autorizado a reter 20% do salário líquido desse jovem para adimplemento de parcelas destinadas ao pagamento de financiamento estudantil de curso superior ou técnico oferecido por instituições públicas ou privadas. É o Congresso de mãos dadas com entidades de ensino para garantir seus lucros.
Anelise Manganelli é economista e técnica do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Escreve mensalmente para o Extra Classe.