Ilustração: Rafael Sica
Ilustração: Rafael Sica
O próximo inventor a ficar bilionário será o cara que criar um reloginho da expectativa de vida. Todo mundo vai querer um, só não vai querer quem já morreu.
Claro, os melhores mercados estarão nos países com as taxas mais altas: Japão (88 anos!), Andorra (84,2) e Singapura (84). A taxa é tão animadora nessas regiões que cada indivíduo é bem capaz de usar um em cada pulso, só pra conferir se as taxas somam, se a expectativa dobra.
Compreensível essa tendência pelo bip-bip da longevidade. As pessoas irão ficar mais felizes e tranquilas em lugares onde o reloginho não assuste com flutuações repentinas pra cima e pra baixo.
Como no Brasil, né? Lá vai você, marcador tinindo de expectativa (76,2!), em algum ponto da Região Sudeste. O dia límpido e o mostrador faísca de promessas. Até que o bip-bip do reloginho alerta o cidadão no calçadão: 75… 74… 71… 59… 46! Peraí, 46 é a idade atual do portador! Apavorado, escuta uma voz às costas:
– Passa o relógio ou morre. O rolex, não, o outro, esse faiscante aí.
O ladrãozinho põe o reloginho, que continua a marcar cada vez menos sobrevida. Ele põe o relógio no ouvido, estranha o som cada vez mais baixo, mas não liga pros números, cada vez menores: 23… 22… 21… 18… 17, a idade exata do ladrãozinho.
Ele pensa em correr, mas o camburão já viu ele. Paralisado, vê os PMs chegarem. Um deles aponta pro pulso do moleque, que entrega logo. O PM põe o reloginho, que sobe rápido até 39 e daí, devagar, avança até 67. O PM abre um sorrisão. Ele sabe que as estatísticas conhecidas pela corporação ficam ali por 46 ou 47.
Enquanto isso, não longe dali, um camelô arma sua mesinha e espalha dúzias de relógios da expectativa. Atraída pelas cintilações da sobrevida, gente de todas as idades começa a comprar. Saem sorridentes, as taxas acima das suas expectativas pulsantes nos braços. Ninguém suspeita que sejam made in China. Quando algum marcar acima de 100, o entusiasmo vai tomar conta, até que venham reclamar que agora chegou a 162!
E assim segue o cotidiano: a tecnologia do reloginho acompanha, sensível, os picos de riscos e sossego conforme a circulação. Nas favelas, os números não mentem jamais. Nos condomínios de luxo, pouco se nota a instabilidade dos reloginhos.
Mesmo com 76,2, a expectativa de vida nacional, as pessoas se frustram: cada vez que alguém demora a voltar pra casa é uma agonia. Angustiadas, se indagam: quanto será que tá marcando o reloginho do meu filho?
Se não me fio em quem estima 2 anos e 26 dias de expectativa de vida a mais que no ano passado, por que confiaria num relógio que dá nos nervos?