OPINIÃO

Apertem os cintos para 2022

Por Cristiano Fretta / Publicado em 28 de janeiro de 2022

Foto: Marcelo Camargo / Ag. Brasil

Foto: Marcelo Camargo / Ag. Brasil

Os dois primeiros meses do ano têm a capacidade de criar em nossas consciências uma espécie de estado de suspensão no que se refere às obrigações que os meses seguintes invariavelmente irão nos impor. Em outras palavras, o clima de férias, praia e descanso nos proporciona um encontro contemplativo com o ócio e a tranquilidade, contrastando fortemente com a experiência urbana que nos oprime nas malhas de sua rotina.

Nas férias, abrimos a lata de cerveja, contemplamos os meses passados com um certo orgulho por termos sobrevivido a tantas intempéries, sentimos o vento no rosto e conseguimos até mesmo fazer brotar do mais íntimo da nossa resistência uma sincera esperança. O calendário é vasto à nossa frente, e talvez tudo dê certo.

Aumento de casos

A explosão de casos de covid-19 relacionados à variante Ômicron desfez qualquer possibilidade de que iniciássemos o ano tranquilos em relação aos números da pandemia. Os contágios se multiplicaram, geraram mais uma vez cancelamentos de eventos e, na prática, mostraram a eficácia das vacinas – apesar da inacreditável discussão sobre vacinar ou não as crianças contra um vírus que já tirou a vida de mais de 625 mil brasileiros.

Terminamos 2021 e iniciamos 2022 tendo que suportar uma sádica maldade que se perspectiva por meio da cansativa e aparentemente irrefreável máquina de fake news, perspectivada por um governo moribundo que muito provavelmente entra em seu último ano.

Gostemos ou não, o BBB

Como é janeiro, há um Big Brother a fazer desfilar nos mais diversos meios virtuais uma galeria de seres humanos expostos e dispostos a marcar o seu nome no hall de personalidades nacionais ou engajadas em diversos perfis ideológicos ou então capazes de simplesmente explorar narcisicamente a autoimagem.

Gostemos ou não, o BBB acaba por funcionar como local de contemplação ou ojeriza em relação aos nossos mais diversos campos ideológicos e nos lembra, ainda em janeiro, que os meses que vêm pela frente serão marcados por tensões e discussões identitárias impossíveis de serem tangenciadas.

Semana de Arte Moderna

Fevereiro trará o centenário da Semana de Arte Moderna. Evento dos mais paradigmáticos para a cultura nacional, as comemorações da  Semana trarão a tensão entre o ponto de vista de ela ter sido essencialmente disruptiva e inovadora – no que se refere a criar uma arte genuinamente brasileira e oposta aos padrões acadêmicos do velho mundo – e a visão “paulistocêntrica” – ou seja, que potencializa ao máximo o feito dos tais modernistas, trazendo à superfície da construção da história cultural brasileira a noção de que ela é feita a partir do poderio econômico e intelectual do sudeste.

Trata-se, claro, de uma discussão acadêmica, incapaz, acredito eu, de despertar ódio e esfacelar relações familiares. Nesse sentido, é um debate saudável.

Independência do Brasil

Em setembro haverá o bicentenário de nossa Independência. Essa que é uma das datas mais importantes na nossa história foi em 2021 cooptada por bolsonaristas radicais – com o perdão da redundância – como uma espécie de cantar do cisne de um golpe alucinógeno que seria dado não se sabia direito por quem contra o STF.

Na prática, como sabemos, o dia terminou, todos voltaram para casa e o país segue sem golpe militar e com suas instituições funcionando, ainda que com suas fragilidades típicas.

Portanto, o dia 7 setembro de 2022 será lembrado como a data em que fará dois séculos que figuras como Dom Pedro I, José Bonifácio, Francisco Moniz Tavares e Pedro de Araújo Lima, entre outros, perspectivaram a autonomia política do Brasil como nação.

No entanto, as tensões ideológicas nos farão perceber que há apenas 1 ano, no mesmo 7 de setembro, a ameaça golpista mostrou o seu rosto mais explícito desde a Ditadura Militar. Ah, e claro, é possível que neste dia surjam aqui e acolá algum monarquista cheio de autoestima, para nos provocar aquele sentimento inominável que transita entre a pena, a raiva e o humor.

Copa do Mundo

No dia 21 de novembro haverá o início da Copa do Mundo, no distante Qatar. É claro que será possível assistir a todos os jogos da Seleção Brasileira e torcer pela vitória de 11 homens ricos vestindo camisetas verde-amarelas, apesar da queda de popularidade da Seleção Canarinho nos últimos anos.

No entanto, impossível é não percebermos que o futebol está, como tudo na vida, também ligado ao campo político.

Uma vitória do Brasil na Copa de 2022 certamente representará a hegemonia de símbolos nacionais que de anos para cá adquiriram uma enorme carga representativa da extrema-direita.

Sem dúvida será possível acompanhar com gosto as partidas de futebol, afinal de contas trata-se de um esporte extremamente dinâmico inserido em uma competição global, no entanto ficará difícil em algum momento não esbarrarmos no questionamento sobre a importância que damos aos resultados do Brasil na Copa.

Eleições 2022

No entanto, não há dúvidas de que 2022 ficará marcado pelas eleições. Se há alguns anos era possível acompanhar o pleito com certa impassibilidade, será praticamente impossível não sermos envolvidos pelos acontecimentos políticos que, ao que tudo indica, serão e já estão sendo intensos.

Se nada mudar no jogo político nos próximos meses, a configuração do confronto entre Lula e Bolsonaro funcionará como um momento catártico na história recente brasileira, em que duas forças antagônicas testarão os limites de nossa um tanto quanto frágil democracia e desenharão ou uma retomada do poder pelo Partido dos Trabalhadores – o que é mais provável – ou uma reeleição de um dos líderes mais impopulares do planeta – algo pouco possível segundo as recentes pesquisas.

De uma forma ou outra, o processo eleitoral tem tudo para ser o mais tenso da nossa jovem república pós-ditadura militar e nada nos leva a crer que Jair Bolsonaro, cada vez mais entrincheirado por uma derrota iminente, não apele de forma ainda mais incisiva para a retórica do caos e da violência como forma de mobilização de seus fiéis eleitores.

O risco de um cafona golpe militar, como aquele pregado pelo seu séquito em setembro de 2021, é cada vez menos possível, pois as Forças Armadas parecem não estar a fim de assinar o cheque sem fundo que o ex-capitão insiste em passar para os mais diversos setores da sociedade brasileira.

No entanto, se é verdade que o perigo dos tanques nas ruas está cada vez mais distante, também é evidente para todos nós que as situações de conflitos não institucionalizados, como brigas familiares e terrorismo digital, por exemplo, estão no escopo das nossas expectativas para 2022.

É claro que esses são apenas alguns eventos que se desenham nos próximos meses. Nesse sentido, este texto invariavelmente comete, no silêncio de não conseguir dar conta de todas as projeções para 2022, a natural falha de talvez ser demasiadamente ingênuo ou pessimista.

Além disso, há a aleatoriedade dos acontecimentos, algo que é naturalmente deixado de lado quando tentamos racionalizar o futuro.

Por exemplo, quem de nós poderia supor, ao analisarmos o cenário político das eleições de 2014, que o avião que transportava Eduardo Campos se esfacelaria contra o chão? Ou então que 2020 traria um tsunami chamado covid?

Apenas o tempo dirá – e, cá entre nós, o Brasil não costuma nos deixar passar tédio.

Os mais diversos contextos educacionais devem estar atentos, ao longo de 2022, para não perderem a oportunidade de explorar situações-problemas que sejam extremamente pulsantes na realidade cotidiana dos brasileiros.

Em outras palavras, a autocensura que a maioria de nós pratica em um momento ou outro desse nosso atribuladíssimo contexto e o cuidado que muitas instituições têm em evitar que seus professores entrem em pautas “polêmicas” não podem causar um silenciamento em relação àquilo que, de fato, acontece fora dos muros da escola, sob a pena de o ambiente escolar sucumbir a uma artificialidade que, regada a isenção, está sempre flertando com a incoerência em relação ao pensamento crítico e autônomo – bandeiras essas sempre tão defendidas por qualquer ator educacional.

Frente aos meses que se desenham à nossa frente, conclamemos a esperança – este sentimento tão indefinível quanto aconchegante – de que, a despeito dos fatos que virão a ocorrer, nosso país, especialmente no campo da Educação, possa vislumbrar horizontes em que a Razão e a Ciência não precisem ser defendidas, mas simplesmente exercitadas e praticadas nos mais amplos contextos.

Como diz o ditado, sonhar é de graça. Para nossa sorte, não é necessário nenhum orçamento secreto para se comprar o sonho de um ano mais justo.

Cristiano Fretta é professor de Português e Literatura.

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