OPINIÃO

Roger Machado: futebol e política se misturam

Por José Luís Ferraro / Publicado em 5 de maio de 2022

 

Roger Machado falou a verdade. Uma triste verdade que, para muitos, se revelou difícil de aceitar. Mesmo que ele tenha tão somente verbalizado o que até as pedras da calçada sempre souberam em relação à postura do chefe do executivo brasileiro, o técnico, talvez, não imaginasse o quanto seu comentário que mirou Bolsonaro, acabaria acertando um considerável número de pessoas. Com a virulência habitual manifestada nas redes sociais, estas se sentiram autorizados a reprovar o posicionamento antirracista do técnico utilizando-se de pouca ou nenhuma reflexão.

 

Dentre estes, estão os que lançaram mão abertamente dos discursos de ódio para atingir o treinador e sua família. Outros apelaram à neutralidade em clara tentativa de produzir falsas simetrias em discursos eivados de um preconceito velado que tentava igualar o não igual. Afinal, sempre foi fácil. Basta sacar a velha carta do “futebol e política não se misturam”, argumento que não para em pé à luz de uma análise séria dos processos históricos, pois, afinal, o que não é político? É ineludível: quaisquer acontecimentos sociais se rebatem no interior da política como categoria ontológica.

 

Na Argentina, o livro do escritor e sociólogo Julián Scher, intitulado Los desaparecidos de Racing (Os desaparecidos do Racing) discorre sobre acontecimentos vividos por torcedores do Racing Club de Avellaneda, Argentina, que estão entre os 30 mil desaparecidos políticos de uma das mais sanguinárias ditaduras da América Latina. A obra é a expressão máxima de um incontornável entrecruzamento entre o esporte e a luta política que marcou a história de vida dos personagens.

 

O fato é que a reação contrária ao posicionamento de Roger só reforça a velha máxima psicanalítica dos processos identificatórios. É este tipo de manifestação como reflexo deste acontecimento que deixa cada vez mais cristalina não apenas a existência, mas a urgência do debate em torno do racismo estrutural e da leitura de autores que debatem o tema; como o professor Silvio Almeida.

 

É importante destacar que, no caso de Roger, não se tratou de um discurso de apoio ao candidato A ou B – como muitos apressados deduziram, tendo corrido para desqualificar a pauta –, mas daquilo que importa para que se possa abrir o espaço para pensarmos a encruzilhada dos brasileiros no tempo presente: civilização ou barbárie. 

 

Civilização ou barbárie

 

Se como afirmou Theodor Adorno, que o dever de toda educação é fazer com que Auschwitz não se repita, é imperativo atacar com todas as forças a chaga da deseducação no país – principalmente a do brasileiro médio reacionário, escancarada neste episódio. Logo, a validação dos discursos daqueles que crucificaram o posicionamento de Roger Machado significa para nós, enquanto sociedade, aceitarmos correr o risco, logo adiante, da reedição ou manutenção daquilo que há de mais danoso na história da humanidade: novas Auschwitz, novas Gaza, bem como outros holocaustos em menor ou maior escala.

 

Roger nos deu a oportunidade da (re)memória. De sermos (re)lembrados que a história é implacável, que ela nos ensina sobre futuros totalmente dependentes do presente. Nestes termos, a luta contra o racismo no tempo nunca foi – e, tampouco, será – fácil. Pelo contrário. Trata-se de uma tarefa complexa e perigosa na qual sempre teremos algo – ou muito, como diria Michel Foucault – a fazer em nome de um projeto de civilização: como no aqui e no agora, onde o futebol contribui como disparador do debate, momento em e em que precisamos estar com Roger até o fim. 

 

José Luís Ferraro é doutor em Educação, pesquisador e professor universitário. Bolsista Produtividade do CNPq.

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