Brasil: eleições e modelo econômico
Foto: Leonardo Sá/Agência Senado
A escassez está presente na vida da imensa maioria do povo brasileiro, embora o Brasil seja um dos países mais ricos do planeta, com abundantes recursos naturais e financeiros, além de imensas possibilidades.
O problema do Brasil não é falta de recursos, mas o seu desvio e concentração nas mãos de poucos.
Isso não é um acaso ou fatalidade, mas decorre do modelo econômico implementado no país, o qual é conscientemente projetado para dar esse resultado.
Os principais eixos que sustentam esse modelo econômico são: o modelo tributário regressivo; a política monetária suicida praticada pelo Banco Central; o Sistema da Dívida, e o modelo primário-exportador de commodities da mineração e do grande agronegócio, irresponsável para com as pessoas e o ambiente.
A interconexão desses eixos produz o resultado esperado: desigualdade social, desrespeito aos direitos sociais previstos na Constituição, aprofundamento da miséria e do inaceitável mapa da fome; danos ambientais e ecológicos; atraso socioeconômico.
Por outro lado, crescem as fortunas de bilionários e o lucro dos bancos e grandes corporações nacionais e estrangeiras que exploram nossas riquezas naturais de forma predatória.
Estamos em ano eleitoral e os pré-candidatos fazem propostas agradáveis aos ouvidos de eleitores e eleitoras, porém, se de fato quiserem melhorar a vida do povo, terão que enfrentar seriamente os eixos que sustentam o injusto modelo econômico que atua no Brasil.
Caso contrário, continuaremos a ter mais do mesmo.
A fim de contribuir para o debate eleitoral, abordaremos cada um desses eixos em uma sequência de artigos, a começar, por uma visão geral do orçamento público.
Quem financia o Brasil
A análise dos orçamentos públicos em todas as esferas – federal, estaduais e municipais – mostra quem financia o Estado e quem mais se beneficia com o gasto público.
O financiamento do Estado recai sobre a base da sociedade, que arca com a maior parte da carga tributária, concentrada em tributos que incidem sobre o consumo, onerando principalmente os que têm menor capacidade contributiva.
Por sua vez, a destinação dos recursos orçamentários atende interesses principalmente das grandes corporações e bancos.
Enquanto isso, os investimentos no atendimento aos direitos sociais e na manutenção da estrutura do Estado se encontram submetidos a “teto de gastos”, uma verdadeira aberração inserida na Constituição Federal por meio da Emenda Constitucional 95/2016 para vigorar durante 20 anos.
Na esfera federal, a análise do orçamento federal executado em 2021 mostra o aumento crescente dos gastos com a chamada dívida pública, cujo privilégio já absorve mais da metade dos recursos, enquanto todos os demais gastos e investimentos públicos se encontram sacrificados, conforme mostra o gráfico a seguir.
Este gráfico tem possibilitado a conscientização de muitas pessoas sobre a necessidade de realizar a auditoria da dívida pública.
Por essa razão, a grande imprensa e outros setores ligados ao Sistema da Dívida têm atacado este importante instrumento de mobilização popular, com argumentos equivocados.
Sem contrapartida
Quanto mais pagamos a chamada dívida pública, mais devemos.
Isso ocorre em virtude da atuação de diversos mecanismos financeiros, em especial aqueles operados pelo Banco Central, como o estabelecimento de juros elevadíssimos e a remuneração diária da sobra de caixa dos bancos.
Esses fatores, entre outros, atuam para “gerar” dívida pública sem contrapartida em investimentos sociais.
Até o Tribunal de Contas da União (TCU) já reconheceu que a dívida interna federal não tem contrapartida em investimentos no país.
As elevadíssimas taxas de juros praticadas no Brasil afetam toda a população brasileira e impedem que o dinheiro circule de forma saudável, estimulando o funcionamento da economia, gerando emprego e renda.
O mais grave é que o Banco Central, que é a autoridade monetária do país e deveria disciplinar os juros, tem elevado exponencialmente a taxa básica de juros (Selic), sob a falsa justificativa de “controlar” a inflação, sendo que esta decorre de outros fatores que não se reduzem quando os juros sobem.
Por isso estamos lançando campanha para limitar os juros no Brasil e realizar uma CPI do Banco Central.
Rentismo
O discurso de que faltam recursos para investimentos no Brasil é falacioso. Além de mantermos cerca de R$ 5 trilhões em caixa, houve “Superávit Primário” em 2021, no valor de R$ 64 bilhões. Esse resultado referente à União, estados e municípios.
É importante considerar todos os entes federados, pois grande parte do superávit de estados e municípios é destinado ao governo federal, na forma de pagamento das dívidas destes entes com a União. O problema é que todo esse dinheiro está reservado para o rentismo.
Nos próximos artigos ao Extra Classe, iremos abordar cada um dos eixos que sustentam o modelo econômico, a fim de contribuir para o debate eleitoral e empoderar a sociedade com argumentos que poderão ser abordados com os diversos partidos e seus respectivos candidatos e candidatas.
Em relação à dívida pública, a Auditoria Cidadã da Dívida elaborou carta aberta aos partidos, acompanhada de questionário a ser respondido por candidatos(as).
A participação cidadã durante o período eleitoral é fundamental e precisa ocorrer de forma qualificada e consciente. Afinal, iremos escolher quem irá dirigir o país e todos os estados nos próximos quatro anos.
Maria Lucia Fattorelli é coordenadora Nacional da Auditoria Cidadã da Dívida, membro da Comissão Brasileira Justiça e Paz (CBJP), organismo da CNBB; e coordenadora do Observatório de Finanças e Economia de Francisco e Clara da CBJP. Escreve mensalmente para o Extra Classe.