Ilustração: Rafael Sica
Ilustração: Rafael Sica
É tanta denúncia de assédio que até parece algo recente no mundo. Não é: assédio existe desde que a matéria assediou o espaço inerte. Um assédio sideral, grandioso e estrondoso, big bangueado. Daí o Sol assediar a Terra foi um pulo.
Depois desse evento, que emprenhou o Nada e deu origem ao Universo, a libidinagem cósmica repercutiu lá nos tempos bíblicos. Quem já leu a Bíblia conhece os relatos: em quase todas as páginas do livrão tem assédio. O mais célebre é aquele no Paraíso, com aquela serpente assediando com uma maçã um casal inocente. Mesmo vítimas de um assediador insidioso, foram sumariamente despejados do bem bom. Não fossem Adão e Eva, o assédio nem teria chegado aos nossos dias.
Fora a agressão do insistente e persistente assédio machista, existem assédios por todo canto, a todo momento, uns mais evidentes, outros menos salientes.
Na natureza, a cadeia do assédio nunca cessou: a abelha assedia a flor, o urso assedia a colmeia, a rainha assedia os zangões, que morrem sem assediar outras abelhinhas. Ali perto, o tamanduá assedia o formigueiro, as formigas assediam o açucareiro, o canavial assedia a paisagem, mas menos que a soja, que assedia a culinária.
E assim, de roldão, o costume passou da natureza para a natureza humana: homens assediando mulheres e crianças, patrões e chefes assediando funcionárias, mestres assediando discípulos, padres assediando fiéis e coroinhas, agiotas assediando credores, polícia assediando pretos pobres nas periferias, ídolos assediando fãs e vice-versa. Até o onanista é assediado – por si próprio!
Donde o assédio em larga escala: o sistema assedia a sociedade, o capitalismo assedia o descapitalizado, nações superdesenvolvidas assediam paísecos e republiquetas, ditadores assediam democracias.
Em saltos tecnológicos e assaltos estupidológicos, as hidrelétricas assediam os rios, o agrotóxico assedia o solo, motosserras assediam matas e florestas, e chaminés e escapamentos assediam o ar. Sem falar na bomba de gasolina que assedia a economia, que já é assediada pelo Guedes.
E segue a sequência do assédio no dia a dia: vitrines assediam os olhos, juros assediam consumidores, a inflação assedia o orçamento, o dízimo assedia o crente, o cartola assedia o jogador, enquanto a FIFA assedia os times. E o assédio soa solto na comunicação: adjetivos e imperativos o tempo todo assediando tímpanos.
Por fim, vírus e bactérias assediam o organismo, que levam hospitais e planos de saúde a assediar doentes, até o assédio final das funerárias.
Mas pior mesmo são os humoristas, que assediam a atenção dos leitores com textos repetidamente assediadores.