OPINIÃO

Professor e escola sob fogo cruzado

Por Gabriel Grabowski / Publicado em 5 de outubro de 2022

Professor e escola sob fogo cruzado

Foto: Tania Rego/Agência Brasil

Foto: Tania Rego/Agência Brasil

No Brasil, outubro é considerado o Mês Nacional da Ciência, Tecnologia e Inovação. Dia 15 de outubro é o Dia do Professor(a). Em âmbito internacional, no dia 5 de outubro é celebrado o Dia Mundial dos Professores, o qual marca o aniversário da subscrição da recomendação da OIT/Unesco sobre o Estatuto dos Professores (1966). Este Estatuto mundial dos docentes foi atualizado em 1997 para incluir pesquisadores e professores do ensino superior.

Neste período, também, transcorre o processo eleitoral, pautado por acusações e ausência de projetos educacionais de interesse da população, especialmente dos jovens estudantes. Diversos estudos e evidências reafirmam o descaso nacional para com a educação pública e a docência no Brasil. A maioria dos candidatos no processo eleitoral se restringe a prometer uma educação profissional instrumental formadora de mão-de-obra para um mercado majoritariamente informal e com altos índices de desemprego.

Enquanto o descaso para com a ciência, a educação e a docência se agrava a cada ano, a maioria dos brasileiros assiste com relativa naturalidade. O “apagão” docente expresso na falta de professores que já se faz sentir se agravará ainda mais; a queda de número de matrículas na educação básica é um paradoxo inaceitável e, o aumento de jovens sem emprego e sem continuar os estudos é um juvenicídio destas gerações.

Apagão docente

O Instituto Semesp divulgou estudo recente que aponta agravamento do “apagão” de professores o Brasil, ampliando a falta de professores que já atinge algumas áreas de conhecimento, como ciências da natureza e matemática. O país precisará de 1,97 milhão de professores em 2040, mas as projeções indicam que o total cairá 20,7% em 18 anos, gerando uma falta de 235 mil professores. E o cenário atual aponta redução do número de concluintes da graduação.

O percentual de formados em cursos de licenciatura apresentou um crescimento de apenas 4,3%, devido à alta evasão em Ensino a Distância (EaD), que ganhou destaque sobretudo a partir da pandemia de covid-19. A partir de 2020, a modalidade passou a representar 73,2% dos novos alunos, porém tem alto índice de abandono.

Queda do número de aspirantes a professor

Outra evidência é que o crescimento de ingressantes em licenciaturas, de 2010 a 2020, foi bem inferior ao crescimento registrado nos demais cursos. Em 10 anos, o número de calouros em licenciaturas cresceu 53,8%, porém, nos demais cursos, o índice foi de 76,0%. Entre os ingressantes com até 29 anos, houve um aumento de apenas 29,7% do corpo discente, enquanto nos demais cursos esse número chegou a 49,8% na mesma faixa etária. Ou seja, menos jovens querem exercer a docência.

A desvalorização da docência é estrutural ao trabalho docente na escola pública no Brasil: somam-se o baixo salário do professor; planos de carreira que não valorizam o professor; carga horária elevada, muitas vezes composta por várias matrículas; escolas sem infraestrutura para o ensino e, menos ainda, para a permanência no próprio ambiente para estudar, preparar aulas, participar de reuniões e outras atividades; e escasso material didático, desprestígio social e ameaças de gestores públicos e provados.

Queda das matrículas da educação básica

A falta de liderança do MEC juntos aos demais ententes da federação agrava a condição da educação básica no país. Sem políticas públicas e sem estratégias/programas de enfrentamento das consequências do covid-19, temos redução de matrículas na educação básica, bem como queda na aprendizagem de estudantes.

Dados preliminares do Censo Escolar da Educação Básica, divulgados recentemente pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), já ajudam a traçar um panorama da evasão escolar no país e mostram, por exemplo, que o número de matrículas no Ensino Médio em 2022 foi 5,3% menor do que em 2021 – de 6,5 milhões para 6,2 milhões. No Ensino fundamental, em geral, também é registrada queda relevante no número de alunos.

Quanto as aprendizagens dos estudantes, as análises sobre o Ideb 2021 e o Saeb 2021 são divergentes. Uns apontam prejuízos e impactos irreversíveis e de longo prazo, enquanto outros criticam o exagero de algumas análises fatalistas. Para Daniel Cara, Coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, as “perdas de aprendizado ocorreram na pandemia de Covid-19, mas são menores do que o esperado e são reversíveis”.

Contra o catastrofismo na educação brasileira, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação se manifesta em nota no sentido de que esse é mais “um momento para valorizarmos a escola pública, sua função social e seu papel de educar o povo brasileiro. A pandemia foi cruel com o mundo, especialmente com o Brasil – devido ao (des)governo Jair Bolsonaro. Há muito a ser feito, mas os resultados do Saeb 2021 e do Ideb 2021, devido ao trabalho das educadoras e dos educadores, anunciam: vamos vencer. Viva as professoras! Viva os professores!”.

Jovens sem trabalho e sem estudo

De acordo com o relatório Education at a Glance 2022, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), divulgado no último dia 3 de outubro, o Brasil é o segundo país com a maior proporção de jovens, com idade entre 18 e 24 anos, que não conseguem nem emprego nem continuar os estudos.

Segundo o documento, 35,9% dos jovens estão nessa situação no país. A proporção brasileira é o dobro da média dos países membros da OCDE, que é de 16,6% de pessoas dessa faixa etária sem trabalhar e estudar. Somente a África do Sul é país com maior proporção que o Brasil, com 46,2%.

O relatório destaca ainda que, no Brasil, só 33% daqueles que acessam o ensino superior conseguem terminar a graduação dentro do tempo previsto. Quase metade (49%) só conclui o curso depois de três anos do prazo programado. O restante desiste da graduação ou termina em um tempo ainda maior.

Segundo o estudo da OCDE, em todos os países analisados, a conclusão do ensino superior está associada a mais oportunidades de emprego e melhores salários.

O Brasil também é o segundo com a maior proporção de jovens por mais tempo nessa condição. Dos que estão sem emprego e sem trabalhar no país, 5,1% se encontram nessa situação há mais de um ano, o que indica uma falta crônica de oportunidades para essa população. Essa etapa da vida é considerada a de transição da educação para o mundo do trabalho, ou seja, quando os jovens deveriam cursar uma graduação ou curso técnico para conseguir um emprego.

O futuro passa pela educação

Nesse cenário, segundo Jorge Luis Nicolas Audy (PUCRS), neste momento da história em que vivemos, emerge com clareza o fundamento para a necessidade voltarmos a ter esperança no futuro. Esse fundamento não é a inovação. Não é a segurança pública. Não é a questão ambiental ou social. Não é o mercado ou a economia. Todos esses e outros são aspectos importantes, alguns até prioritários. Mas o fundamento da construção de um novo momento para nosso país é a educação. A educação é o fundamento para a construção de uma sociedade que viva plenamente o nosso tempo, o tempo da sociedade do conhecimento e da aprendizagem.

A educação é fundamental na formação das sociedades e das pessoas. É necessário colocar os jovens no centro dos investimentos em educação e propulsionar a educação como promotora de desenvolvimento sustentável. A mudança sustentável precisa acontecer a partir de um olhar de totalidade, que contempla uma perspectiva de longo prazo e que coloca a ênfase nas pessoas.

Neste momento em que perguntamos o que as instituições de ensino podem e devem fazer para formar cidadãos para uma democracia saudável, a literatura ousa propor: desenvolver a capacidade dos estudantes de ver o mundo do ponto de vista dos outros; ensinar posturas com relação à fragilidade e a impotência humana como oportunidades de cooperação e de reciprocidade; ensinar coisas reais e verdadeiras a respeito de outros grupos (minorias raciais, religiosas, políticas e sexuais), de modo a conter os estereótipos e eliminar o preconceito.

Professor armado de teorias e práticas

E ao professor(a), a melhor síntese que podemos indicar sobre como o deve se armar teórica e praticamente para enfrentar as contradições que atravessam o aparelho escolar, as recolhemos de Antônio Gramsci, filósofo italiano (1919): “Instruí-vos porque teremos necessidade de toda a vossa inteligência. Agitai-vos porque teremos necessidade de todo o vosso entusiasmo. Organizai-vos porque teremos necessidade de toda a vossa força”.

Como formação humana, a educação acontece na sala de aula, e em seus arredores. Os horários de entrada e saída dos estudantes e seus professores constituem-se como momentos de alegria, tristeza, medo, ansiedade e, também, de algum tipo de esperança, por menor que seja. Encontrar os amigos, saber o que se passa com o menino que se senta ao lado, saber o que se passa com a menina que sempre chega atrasada na aula de história, mas não mede esforços para assistir à aula de matemática. O valão continua a céu aberto. O aluguel venceu. O ônibus atrasou. O vale transporte acabou. Bem em frente ao portão da escola, um assaltante faminto clama por comida, diversão e arte (do Ebook Trabalho docente sob fogo cruzado – vol. 2).

Conforme nos legou Paulo Freire: “O professor que pensa certo deixa transparecer aos educandos que uma das bonitezas de nossa maneira de estar no mundo e com o mundo, como seres históricos, é a capacidade de, intervindo no mundo, conhecer o mundo”. Sigamos firmes construindo um mundo e um futuro melhor pela cooperação humana

Parabéns colegas pelo dia do(a) professor(a)!

Gabriel Grabowski é professor e pesquisador. Escreve mensalmente para o jornal Extra Classe.

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