Darcy Ribeiro, cem anos: educação e desenvolvimento nacional
Foto: Fundação Darcy Ribeiro (Fundar)/Divulgação
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Entre as efemérides de grande significado para nós, brasileiros, carregadas pelo corrente ano, destaca-se o centenário de nascimento de Darcy Ribeiro. Multifacetada, caleidoscópica: a trajetória de Darcy – militante comunista na juventude, antropólogo, indigenista, político, educador, romancista – é reveladora de um polímata dos trópicos. À compreensão satisfatória de suas ideias e à exposição de suas inúmeras realizações, caberia redigir uma análise deveras abrangente. Contudo, limitações de espaço impõem uma seletividade que coloca em primeiro plano o Darcy Ribeiro educador; a bem da verdade, não por exato um teórico da educação, senão o criador de políticas e instituições educacionais com vistas ao desenvolvimento do país, sedimentadas na vida brasileira, em maior ou menor medida, desde a década de 1960.
Ainda em 1959, quando trabalhava junto a Anísio Teixeira no Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), dirigindo o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE), Darcy Ribeiro desponta como figura pública – vale dizer, como quadro político combativo que logo se atrelaria ao antigo PTB – ao polemizar com o então deputado federal udenista Carlos Lacerda. A polêmica orbita em torno do projeto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nossa primeira LDB (mais tarde, Lei 4.024/61).
Tendo proposto na Câmara Federal um substitutivo ao referido projeto, no intuito de lograr o direcionamento de recursos estatais para a ampliação de redes privadas, em prejuízo da construção de estabelecimentos públicos de ensino, Lacerda desperta a indignação de Darcy e Anísio, assim como de parte significativa da intelectualidade brasileira. Cabe a menção de que a querela em torno desta LDB impulsionou a redação do Manifesto dos Educadores (1959), chamando uma vez mais ao combate pela educação pública e estatal muitos dos signatários do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932, além de novos nomes, como Darcy e Florestan Fernandes. Nesse ínterim, em páginas de jornal, Darcy Ribeiro regala a Carlos Lacerda com a alcunha de “coveiro da educação pública”.
Foto: Fundação Darcy Ribeiro (Fundar)/Divulgação
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Essa polêmica transcorria durante o governo Juscelino Kubitschek, e o zênite do seu desenvolvimentismo era a construção de Brasília, púbere Capital do Brasil, que demandava uma nova universidade. Logo, a incumbência de projetá-la recai sobre Anísio Teixeira e Darcy, a partir do que virá à luz a UnB – um rebento da fé desenvolvimentista, concebida como contraparte à institucionalidade universitária tradicional, e que teria em Darcy Ribeiro seu primeiro reitor. Mal começada a ditadura civil-militar pelo golpe de 1964, a UnB sofreria violentas intervenções.
Ainda nos turbulentos anos que antecedem o golpe, dá-se a renúncia do presidente Jânio Quadros, em agosto de 1961. Consumada a renúncia, o Congresso Nacional implanta o parlamentarismo no país. Escolhido primeiro-ministro, o deputado Hermes Lima nomeia Darcy Ribeiro ministro da Educação, tendo por tarefa a execução da supradita LDB, já em vias de sanção. Entrementes, ao intelectual e político, a essa altura já convertido ao trabalhismo petebista, cabiam tarefas mais temerárias. Restabelecido o presidencialismo no Brasil através de um plebiscito, em janeiro de 1963, o presidente João Goulart trabalha pela efetivação das chamadas Reformas de Base e convoca Darcy para coordenar este programa de reformas – entre as quais, figurava a reforma educacional, sobremodo em nível universitário –, outorgando-lhe o gabinete Civil de seu governo.
O desfecho da tentativa petebista de reformar o Brasil, mesmo que esta não excedesse os marcos do capitalismo liberal, é francamente conhecido. Ainda que contasse com grande popularidade, Goulart é apeado do poder por forças internas da reação, coadunadas com patrocínio e logística estadunidenses. Consumado o golpe de 1964, sobrevém o Ato Institucional número 1, com sua lista de cassações políticas que estampava os nomes de João Goulart, Darcy Ribeiro e outros que, impossibilitados de permanecer em solo pátrio, partem para o exílio. Quanto a Darcy, seu exílio se constituirá em uma diáspora pela América Latina, laborando tanto no ensino quanto em reformas universitárias e redigindo uma vasta obra histórico-antropológica. Ao retornar, une-se a Leonel Brizola, outro veterano trabalhista egresso do exílio, que se elege governador do Rio de Janeiro, em 1982. Dessarte, prosseguem as pugnas do Darcy Ribeiro educador, consubstanciadas na projeção dos Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs) e na elaboração da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96), feitos cuja descrição requererá novas e mais alentadas páginas.
Demetrius Ricco Ávila é sociólogo (Ufrgs), mestre e doutorando em História (PUCRS), professor do Colégio Monteiro Lobato e secretário de Formação Política do MCDR/PDT .
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