OPINIÃO

Eutanásia, a alternativa neoliberal à pobreza no Canadá

Por Andrés Ferrari Haines / Publicado em 27 de dezembro de 2022

Foto: CityNews/ Reprodução

No Canadá, a eutanásia legal tem sido a “solução” para que pessoas saiam da pobreza extrema. Na imagem, Amir Farsoud, deficiente de 54 anos, que não têm condições de arcar com os custos de uma moradia

Foto: CityNews/ Reprodução

Implantado em 2016 com o objetivo de aliviar o sofrimento de adultos com doenças terminais, o programa Maid (sigla em inglês para Medical Assistance In DyingAssistência médica para morrer) passou de mil casos em seu ano de lançamento, para 10 mil em 2021, ou 3,3% do total de mortes no Canadá.

Originalmente, era exigido que a morte natural fosse “razoavelmente previsível”, e que a condição médica dos pacientes fosse “grave e irremediável”.

Contudo, desde 2021, qualquer doença ou deficiência grave se considera válida – mesmo que não seja prevista, de forma alguma, a morte da pessoa, ou se ela gozar de boa saúde nos demais aspectos.

A partir do próximo mês de março, a legislação passará a ser mais flexível, pois passará a abarcar também pessoas com doenças mentais.

Para um grupo de 50 líderes religiosos, “oferecer a eutanásia ou o suicídio assistido àqueles que vivem com uma deficiência ou doença crônica, mas que não estão morrendo, sugere que viver com uma deficiência ou doença é um destino pior que a morte”.

Vidas que podem ser eliminadas

As modificações no projeto original foram apresentadas como uma expansão dos direitos individuais.

Contudo, o fato de incluir as pessoas que não enfrentam uma morte iminente foi questionado em 2021 por três especialistas em Direitos Humanos das Nações Unidas, os quais enviaram uma carta formal ao governo canadense, advertindo que a medida “potencialmente submeteria as pessoas com deficiências à discriminação devido ao fato de portarem tais deficiências”.

A mudança crucial se deu em março de 2021, quando foi introduzida como critério a condição de doença ou deficiência que “não se possa aliviar nas condições que se considere aceitáveis”.

Na prática, isso passou a abranger pessoas que não tem um nível de renda suficiente para lidar com sua doença ou deficiência.

Foi o caso de Amir Farsoud, deficiente de 54 anos, que não têm condições de arcar com os custos de uma moradia: “não quero morrer, mas não quero ser um sem-teto mais do que não quero morrer”.

Também foi o caso de Richard Ewald, com uma doença pulmonar e hepática obstrutiva crônica, em nível quatro, que se sustenta com um auxílio de CAN $ 1.169 mensais para todos seus gastos, incluídos aluguel e comida, que considera recorrer ao Maid caso sua situação piore.

“Não sou suicida”, afirma, mas “às vezes é uma escolha entre morrer queimado ou saltar de um prédio muito alto”.

Para David Jones, diretor do Centro de Bioética Anscombe, na Grã-Bretanha, ainda que o Canadá se orgulhe de ser um país liberal e tolerante, “o que está acontecendo com a eutanásia sugere que pode haver um lado mais obscuro”.

Para os mencionados líderes religiosos, se trata de “um novo regime que entende que certas vidas podem ser eliminadas”.

Diante do desespero…

Aos 61 anos, Alan Nichols foi hospitalizado em junho de 2019 por receio de que pudesse se suicidar, apresentando antecedentes de depressão e outros problemas médicos, mas sem risco de vida.

Após um mês, apesar das objeções de seus familiares, solicitou e morreu por meio do plano de eutanásia, que registrou como motivo de saúde apenas a perda da audição.

Seu caso agora é visto como um precedente da modificação que se implementará em março, que estenderá a Maid a pessoas com doenças mentais.

A médica de família Ramona Coelho, de Ontário, ativista dos direitos de deficientes e pessoas marginalizadas, tem diversas objeções a essa mudança, inclusive porque quando se trata de uma “doença mental, não há um guia para prever quem vai melhorar”.

Para a MedicalXpress, a eutanásia está sendo usada para pessoas que vivem na pobreza.

O portal britânico de notícias sobre medicina e tecnologia afirma que o painel federal nomeado pelo governo, “responsável por proporcionar garantias, padrões e pautas sobre como implementar a Maid para doenças mentais… recomendou que não se exijam mais garantias legislativas antes de proporcionar a morte por doença mental, e não estabeleceu nenhum padrão específico para a duração, o tipo ou a quantidade de tratamentos que devem ser tentados”.

De fato, Sathya Dhara Kovac, em outubro, optou por morrer aos 44 anos, não por conta da doença genética da qual sofria, “mas pelo sistema: Ela poderia ter vivido mais se tivesse recebido mais ajuda, escreveram em seu obituário.

Também chamou a atenção a denúncia de Christine Gauthier, veterana do exército canadense, deficiente e atleta paraolímpica, que depois de reclamar da demora na instalação de uma pequena escada rolantes em sua casa, recebeu uma carta dizendo “se está tão desesperada, senhora, podemos oferecer a Maid, assistência médica para morrer”.

NecroEstado de bem-estar social

O Dr. Naheed Dosani, médico e professor da Universidade de Toronto, afirma que o ciclo de viver na pobreza e no estresse está adoecendo as pessoas e fazendo com que deficientes escolham a “assistência médica para morrer” porque “não têm dinheiro para viver”.

Catherine Frazee, professora emérita da Escola de Estudos sobre Deficiência da Universidade de Ryerson, afirmou que é “um frio consolo que te ofereçam a opção de morrer quando não te oferecem a opção de viver uma vida digna”.

Meghan Nicholls, CEO de um restaurante popular em Ontário que atende 30 mil pessoas, alerta que muitos deles “estão considerando a morte com assistência médica ou o suicídio porque já não aguentam mais viver na pobreza extrema”.

Na verdade, os gastos com assistência social no Canadá são os “mais baixos entre os países industrializados, os cuidados paliativos só são acessíveis para uma minoria e os tempos de espera no setor da saúde pública podem ser insuportáveis”.

Um estudo do parlamento canadense de 2020 calculou que, para 2021, o custo para o Estado de aplicar a Maid representaria apenas 20% da redução de gastos em saúde.

No Canadá, o Estado de bem-estar oferece a Maid de forma gratuita.

Finalmente, o neoliberalismo apresenta a sua alternativa. eutanásia

Andrés Ferrari Haines é professor Associado do Departamento de Economia e Relações Internacionais da Faculdade de Ciências Econômicas da Ufrgs. Pesquisador do Núcleo de Estudos do Brics (Nebrics/Ufrgs).

*Com tradução de Guilherme Ziebell de Oliveira, professor adjunto do PPG em Estudos Estratégicos Internacionais da Ufrgs.

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