Foto: Paulo H. Carvalho/Agência Brasília
Foto: Paulo H. Carvalho/Agência Brasília
O medo é o sentimento mais presente na vida do brasileiro, desde o momento em que passamos a ter certeza de que a violência foi banalizada como arma política.
Em setembro do ano passado, pouco antes da eleição, o Datafolha constatou que 67,5% das pessoas ouvidas tinham medo de sofrer agressões.
Não era medo da agressão por violência cotidiana. O brasileiro dizia temer uma agressão específica, o ataque por motivação política.
Os mesários das eleições trabalharam com medo. O país todo se preparou para ações violentas nas seções eleitorais.
E a violência foi sendo praticada no dia a dia, com mortes provocadas também por questões políticas, até se manifestar com força, como ação coletiva de uma aparente irracionalidade, no 8 de janeiro da invasão a Brasília.
Hoje, sentimos medo dos terroristas que vandalizaram Planalto, Supremo e Congresso e já voltaram para casa.
Sentimos medo nas ruas e dentro de casa diante da possibilidade real de vivermos de novo sob uma ditadura.
Temos medo da prisão arbitrária, da tortura, da perseguição, da cassação de mandatos, dos expurgos nas universidades. Temos de novo medo da morte por represália política.
Mas tudo isso não passou com a eleição em que o fascismo foi derrotado? Não passou.
Até porque o fascismo sofreu apenas uma derrota parcial. Fundamentalistas têm no Congresso bancadas que não tiveram nem na ditadura.
O Brasil teme congressistas que já apresentaram, só este ano, mais de 70 projetos de lei contra a população trans.
Há propostas na Câmara para impedir o acesso de crianças e adolescentes trans a procedimentos médicos, como o uso de bloqueadores de puberdade e hormônios.
Os brasileiros tem em a agressividade política dos vizinhos. Temem familiares com os quais convivem e que usam armas, fazem tiro ao alvo e odeiam negros, pessoas LGBTQI+, indígenas.
O brasileiro tem medo de todas as formas de manifestação do fascismo, por considerar a hipótese de que em algum momento as instituições da democracia podem perder o controle da situação.
E o disseminador desse medo está de volta. O líder das estruturas de propagação de ódio, violência, armamentismo, discriminações e racismo, esse sujeito voltou.
O chefe as milícias digitais, das fábricas de fake news, das difamações e a das ameaças de morte está de volta.
O homem que anunciou, antes mesmo de ser eleito em 2018, que mataria os inimigos na ponta da praia. O sujeito sem escrúpulos que admitiu, já no governo, que sentia atração sexual por crianças.
Ele está de volta como aposta não só da extrema direita, mas de setores ditos liberais. O jornal Folha de S. Paulo considera o chefe do ódio o líder em potencial da direita brasileira, e não só dos extremistas.
Por isso o medo que parecia ter sido afastado para longe está por perto de novo. O imprevisível, o imponderável, o que parece improvável, tudo se mistura para reformar o cenário do terror.
Porque vem aí, em substituição à pauta da caçada aos corruptos, a guerra aos diferentes. Será a intensificação do que chamam genericamente de pauta de costumes.
Um jovem de apenas 26 anos é o encarregado de dizer o que nem a família Bolsonaro diz. O deputado mineiro Nikolas Ferreira é o porta-voz do ataque a gays, trans e a todos os que, na versão bolsonarista, ameaçam a família dita tradicional.
Esse agora é o medo mais presente, o do incentivo à perseguição de pessoas LGBTQI+, para que a pauta da falsa moral prevaleça entre os que se consideram mais normais do que os outros.
E todas as famílias têm gays, ou tem comunistas, ou têm negros ou conexões com amigos, colegas e vizinhos negros. As famílias têm diferentes que serão ainda mais caçados pelo bolsonarismo.
Já matam mulheres, gays e travestis cotidianamente, como parte da nossa realidade pré-Bolsonaro. O bolsonarismo faz o ataque oficial e institucionaliza e normaliza a agressão aos diferentes.
É o medo que volta para o Brasil junto com o sujeito que ficou acampado em Orlando durante 89 dias.
O medo até de ver o ministro Alexandre de Moraes sem forças para enfrentar quase sozinho a ira de Bolsonaro, dos filhos dele, dos milicianos.
Medo de ver que as reações ao fascismo estão sempre aquém das agressões que o fascismo perpetra.
O medo de não reagir e de ficar na dependência da capacidade de discernimento e de reação dos outros. Mas que outros são esses?
O fascismo ainda nos cerca e nos faz desconfiar até da nossa capacidade de enfrentar nossos próprios medos.
Moisés Mendes é jornalista e escreve quinzenalmente para o Extra Classe.