Sobre a precarização das escolas públicas, violência e docência
Foto: Cpers Sindicato/ Divulgação
Em tempos cada vez mais frequentes a educação, especialmente a educação básica, é anunciada como prioridade de governantes mediante discursos e programas que não se efetivam e os problemas estruturais se agravam, se ampliam e se aprofundam.
É o que sucessivos estudos, relatórios e diagnósticos evidenciam.
Um dos mais recentes diagnósticos é A Operação Educação: Fiscalização Ordenada Nacional, organizada pela Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon), que promoveu visitas em 1.082 escolas públicas em 537 municípios em todos os estados.
As escolas foram selecionadas a partir de indicativos de situações críticas relativas à infraestrutura que já constavam no Censo Escolar de 2022, especialmente quanto à acessibilidade, estrutura e conservação, saneamento básico e energia elétrica, sistema de combate a incêndio, alimentação, esporte, recreação e espaços pedagógicos.
O ano letivo de 2023 começou com ameaças e atentados contra a vida em várias escolas, falta de professores, falta de vagas em muitos municípios e regiões, obras escolares abandonadas e inacabadas, suspensão temporária do calendário de implementação do “Novo” Ensino Médio e greves de professores para garantir o piso salarial assegurado na Constituição.
Ou seja, mais um ano letivo com os mesmos problemas, estudantes prejudicados, professores expondo-se e colocando a vida em risco, enquanto gestores e governantes repetem as mesmas justificativas e promessas.
Relacionando a temática da violência e segurança nas escolas com o levamento da Operação Educação a causa é evidente e estarrecedora: nenhuma escola visitada possui auto do Corpo de Bombeiros e 60% não dispõem de extintores de incêndio, sendo que 65% dos equipamentos presentes estavam fora do prazo de validade.
Em 76% das escolas não há câmeras de segurança e em 43% não há ronda escolar ou serviço de vigilância. Agrava-se a condição das escolas quando 38,5% não possuem nenhum tipo de acessibilidade para portadores de deficiência ou com mobilidade reduzida, faltando rampas de acesso, corrimões e sinalização sonora, tátil e visual.
Outro estudo do Observatório Judaico dos Direitos Humanos no Brasil aponta que atos neonazistas e antissemitas em escolas tiveram alta de 760% entre os anos de 2019 e 2022, sendo que 50% foram praticados em 2022.
Portanto, as ocorrências em curso em 2023 estão nesta lógica crescente e possuem correlações com a crescente intolerância brasileira.
Nesse contexto, o Curso de Pedagogia da UFSC emitiu uma nota na qual cita “as violências que não queremos ver” e suas correlações com o que “vivemos. E aponta que houve “nos últimos quatro anos, uma intensa e sistemática naturalização de violências (físicas, verbais e econômicas), de intolerância a diferentes grupos (povos indígenas, comunidades quilombolas, comunidade LGBT) e de apologias explícitas às armas”.
Importante destacar, contínua o comunicado, que essas ações foram sendo fortalecidas por meio de uma difusão massiva e sistemática de imagens nas redes sociais (fotos, vídeos e memes), o que potencializou enormemente o papel educativo dessas ideias, desses discursos, desse modo de ver e agir no mundo. No entanto, quem se importou com isso? Era já um alarme que não ouvimos?
As escolas em territórios de alta vulnerabilidade e violência são espaços desprotegidos pelo Estado, pela sociedade e pelas comunidades locais. Enquanto bairros luxuosos e centros comerciais possuem segurança pública e privada, nas escolas públicas, crianças, adolescentes, jovens e educadores e educadoras estão em perigo constante.
Precarização
Tão grave como a ausência de segurança é a inexistência de espaços pedagógicos de aprendizagem e ferramentas tecnológicas para os estudantes.
A fiscalização identificou que 62% das escolas não têm bibliotecas, 63% não possuem sala de leitura, 88% estão sem laboratório ou sala de informática, 80% não oferecem equipamentos de informática e internet para os alunos e, ainda, 67,01% não possuem instalações esportivas (ginásios ou áreas cobertas) para práticas de educação física, bem como inexistem espaços coletivos e áreas de convivência.
Sem tais condições mínimas de infraestrutura e espaços pedagógicos, com redução de investimentos nas redes de ensino, mesmo durante a pandemia, governos estaduais e municipais defendem e continuam implementando uma nova e polêmica reforma curricular decorrente da Base Nacional Curricular Comum (BNCC) e da reforma do “Novo” Ensino Médio.
Sem essas condições básicas, sem formação continuada de professores e sem diálogo com os estudantes, essas reformas estão, muito provavelmente, fadadas ao novo insucesso.
Porém, a precarização da educação básica agrava-se com a condição docente no Brasil.
Mais de 40% dos professores das redes estaduais possuem contratos temporários, precários, intermitentes e direitos negados e/ou reduzidos.
Já nas redes municipais, o percentual de temporários, é de 25,5%. O valor do Piso Nacional dos Professores, que era para ser o mínimo que um docente deveria receber, tornou-se, por estratégias legais e administrativas de diversos governos, caso do RS, o vencimento máximo.
Modelo perverso
O filósofo e sociólogo Noam Chomsky, ao analisar a precarização do trabalho e da educação, diz que isso tudo “faz parte do atual modelo de negócios onde o que importa é o lucro. É o mesmo que ocorre com a contratação de trabalhadores temporários na indústria”. O uso de mão de obra barata e fragilizada no trabalho é tão antiga quanto a iniciativa privada e os sindicados surgiram em resposta a ela, lembra o pensador norte-americano.
Ele aponta que sequer há um fundamento econômico para justificar essa opção. Na maioria dos países, o ensino, inclusive o superior, é gratuito. No Brasil, 77,6% das matrículas estão em IES privadas. Basta olhar para a maioria dos países, adverte Chomsky: na Finlândia, o ensino é gratuito; na Alemanha, país capitalista, é gratuito; no México, país pobre com bom desempenho na educação, é gratuita.
Submeter a educação e as escolas à lógica dos mercados é uma forma de controlar a formação dos jovens. E, como se doutrina estudantes, pergunta Chomsky?
Há certas maneiras de se fazer isso e ele destaca duas: a primeira é sobrecarregá-los com uma dívida pesada (empréstimo estudantil), constituindo-se em uma armadilha para o resto da vida; a segunda é cortar o contato entre aluno e professor, por meio de turmas grandes, educação a distância (digital, em plataformas), com professores temporários e sobrecarregados, que mal conseguem sobreviver com seu salário. Sem estabilidade, não é possível construir uma carreira.
Sem perspectivas
Concursos públicos nas redes estaduais para educação básica estão cada vez mais escassos e pontuais. O RS, que possui aproximadamente 28 mil contratos temporários, anunciou um concurso recentemente, após 10 anos, com apenas 1,5 mil vagas, deixando mais de 10 disciplinas das ciências humanas, ciências natureza e linguagens fora deste edital.
A crise da educação brasileira, como afirmou Darcy Ribeiro, não é uma crise, é um projeto da elite brasileira que os antigos e atuais governantes se encarregam de perpetuar.
Tais precarizações da escola e da educação básica pública sinalizam aos jovens que não sonhem com o ensino superior, não queiram serem professores/as, pois não terão nem concurso, nem estabilidade, nem carreira, nem emprego, nem trabalho.
No máximo, serão docentes ‘sem-sem’: sem futuro e sem reconhecimento social. Isso explica por que apenas 2,7% dos estudantes cogitam cursar uma licenciatura no Brasil.
Gabriel Grabowski é professor e pesquisador. Escreve mensalmente para o jornal Extra Classe.