Podem as pessoas LGBTIA+ terem um dia para celebrar suas existências?
Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
Mais um 28 de junho chegou e com ele o dia do Orgulho LGBTIA+, momento em que fazemos memória e celebramos a Rebelião de Stonewall, ocorrida há 54 anos. Contudo, mesmo dentro da comunidade LGBTIA+, mas, principalmente, fora dela, são inúmeras as manifestações de desaprovação pelas celebrações deste dia, bem como dos inúmeros eventos que ocorrem – em especial, as já conhecidas Paradas do Orgulho LGBTIA+. Eu, como entusiasta, tanto do Dia do Orgulho como das Paradas, e como quem faz parte dessa comunidade, pretendo, aqui, fazer a defesa deste dia e desses movimentos, os quais julgo extremamente importantes.
A provocação inicial, feita a partir do título deste texto, foi inspirada em um outro, mais especificamente, no livro da escritora indiana Gayatri Spivak, intitulado “Pode um Subalterno Falar?” Na obra, a autora defende a importância da fala dos subalternos – pessoas pretas, pobres, mulheres, dentre outros – na sociedade, mas também fala da dificuldade de essas falas serem aceitas socialmente, as quais são, muitas vezes, “recebidas” com estranhamento, são questionadas e, até mesmo, invalidadas por quem, historicamente, sempre teve o privilégio e a exclusividade de falar.
O dia do Orgulho LGBITA+, assim como as Paradas do Orgulho, são questionados por muitas pessoas, com os “argumentos” de que “não existe parada hétero, ou dia do orgulho hétero” ou de que “não há a necessidade dessa exposição toda na rua e nas redes sociais”, isso só para exemplificar algumas das falas, que vão dessas até discursos de ódio e LGBTIA+fobia.
Em particular, nas últimas semanas, houveram ataques por parte de líderes religiosos, com o intuito de nos deslegitimar, dizendo que nossas existências não são motivo de orgulho. No entanto, essas mesmas pessoas não levam em consideração que a heretocisgeneridade – 0essoas heterocisgêneras são aquelas que manifestam seu gênero de acordo com a sua genitália de nascimento (cisgênero) e possuem desejo/afeto/atração por uma pessoa do gênero oposto (heterossexual), sendo essa a manifestação da sexualidade entendida como normal – está aí e é celebrada e mostrada na televisão, nas redes sociais, nos comerciais e nas ruas todos os dias, de forma aberta e não vista com estranhamento.
Pessoas heterocisgêneras manifestam seus afetos, podendo andar de mãos dadas pela rua sem se preocuparem em sofrer qualquer tipo de violência por conta disso. Nem sequer um heterocisgênero precisou “assumir” sua sexualidade num almoço de família ou nos meios de comunicação, assim como nunca teve seu gênero ou sua sexualidade questionada. Tudo isso porque essa maneira de estar no mundo é entendida como normal e natural.
Ao contrário, nós da comunidade LGBTIA+, historicamente, fomos considerados doentes, anormais, pecadores e criminosos: somente em 1990 a Organização Mundial da Saúde (OMS) retirou a homossexualidade da lista de doenças e, no caso da transexualidade, isso só ocorreu em 2019.
As pessoas intersexo ainda são mutiladas ao nascer, sofrendo uma designação de gênero compulsória, não tendo a possibilidade de decidirem sobre seu gênero, quando assim tiverem maturidade – e se assim o desejarem. Só no ano de 2022, 273 LGBTIA+ foram mortos de forma violenta no Brasil, sendo que, de 2000 a 2022, já foram 5.635, segundo dossiê do Observatório de Mortes e Violências LGBTI+ do Brasil, mortes essas realizadas das maneiras mais brutais possíveis.
A nossa comunidade ainda é privada de muitos espaços sociais, dos quais os heterocisgêneros sempre tiveram acesso. Dessa forma, a democracia não é plena no País, pois, em razão do gênero e/ou da sexualidade fora do socialmente construído como normal, são negados direitos e espaços a uma parcela da população, mesmo que isso devesse ser um direito para todas as pessoas.
Assim, o dia 28 de junho é, sim, um dia importante! É um dia de luta e visibilidade. Um dia para lembrar dos que nos precederam e lutaram contra a violência que sofriam em Stonewall; é um dia para nos lembrarmos dessas pessoas do passado que ainda se fazem presente, pois nos dão força para continuarmos lutando contra todas as violências que hoje sofremos.
Hoje é um dia para, assim como nos dias das Paradas que ocorrem Brasil afora, gritarmos aos quatro cantos que nossas existências são legítimas e motivo de muito orgulho, e que nossos gêneros e nossas sexualidades não são anormais, tampouco desviantes. O dia de hoje nos fortalece para que, nos próximos 364 dias, possamos continuar lutando contra toda forma de preconceito, até que ninguém mais seja morto por manifestar seu gênero ou sua sexualidade diferente daquilo que é socialmente esperado.
Mais do que nunca, hoje cabem as palavras que o Ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, falou no seu primeiro discurso:
“Nós existimos e somos importantes!”
Rudson Adriano Rossato da Luz é professor, historiador, mestre e doutorando em Educação pela Universidade de Caxias do Sul (UCS). E-mail: rarluz@ucs.br.