Foto: Acervo Pessoal / Dep. Amália Barros
Foto: Acervo Pessoal / Dep. Amália Barros
A deputada federal Amália Barros, do PL do Mato Grosso, não tem o olho esquerdo e usa uma prótese de vidro desde jovem, por causa das sequelas da toxoplasmose.
É conhecida por sua militância em favor de pessoas com deficiência de visão e sua atuação parlamentar tem essa marca.
Michelle Bolsonaro é muito amiga de Amália. Michelle é presidente do PL Mulher e a deputada é a sua vice.
Em evento recente na Paraíba, Michelle subiu ao palco com Amália e surpreendeu os presentes ao pedir que a amiga retirasse a prótese.
A ex-primeira-dama disse, depois de elogiar Amália:
“Eu quero você sem prótese. Eu amo vê-la sem prótese, gente. Eu sei que o seu trabalho é esse, amiga. Deixa eu segurar seu olho”.
E a deputada retirou o olho e entregou a Michelle, que o colocou no bolso da calça. O público vibrou e aplaudiu, e o vídeo viralizou.
Michelle, que é pregadora evangélica, era vista ali mais como pastora do que política. Tira o olho não equivale ao levanta-te e anda, mas é seu assemelhado.
Só que Amália se dedica a buscar ajuda aos que têm a mesma deficiência. E uma das suas contribuições é essa: fazer com que pessoas sem um olho tenham o direito a uma prótese.
E Michelle, num palco, com transmissão ao vivo, em evento político, pede para que a deputada deixe de usar o que deseja que todos tenham, um olho que restaure parte do rosto e dê suporte à sua autoestima. Ou ele não estaria usando o olho postiço.
É óbvio que mulheres, que cuidam dos cílios, que usam rímel, que desenham sobrancelhas, enfrentam muito mais do que os homens o desconforto de não ter um olho. Desconforto funcional e estético.
E Michelle ama ver a amiga sem o olho. O que seria uma fala presumida de afirmação dos diferentes foi uma bizarrice. E com o detalhe do olho guardado no bolso.
Pessoas com deficiência se afirmam como são. Sem perna, sem braço, às vezes sem os dois membros superiores e inferiores.
Michelle pode passar a constranger quem usa próteses nos encontros do PL, em nome de uma naturalidade forçada? E só porque ela ama ver uma amiga sem o olho?
Michelle nem sabe, mas Amália deve conhecer o drama de mais 400 jovens chilenos que em apenas dois meses, em 2019, perderam um dos olhos esfacelados por tiros de balas de borracha dos Carabineros, a polícia fascista de Pinochet.
São moças e moços que enfrentaram o governo de Sebastián Piñera nas ruas, lutaram pela Constituinte, elegeram um governo pretensamente de esquerda e se frustraram ao ver que não teriam uma nova Constituição.
Há relatos de que muitos deles se arrependeram. Porque perderam um olho. Alguns perderam os dois olhos. Perderam o sentimento de que tudo vale a pena, porque nunca mais enxergarão como antes. E o país não mudou.
Há, em outra direção, no Brasil e em qualquer lugar, depoimentos de pessoas com algum tipo de deficiência que resumem assim suas vidas: eu não seria o que sou se não tivesse passado pelo que passei.
São portadores de deficiências (que já foram um dia chamados de deficientes) que encontram nos seus limites a sua identificação e assim se reconhecem.
Mas quem imagina que, por inspiração no que fez Michelle Bolsonaro, os políticos passassem a declarar, nos encontros dos seus partidos, que amam ver as deficiências de colegas expostas num palco?
Não, não venham com a conversa de que Michelle quis dizer que aceita as pessoas como elas são. A base do bolsonarismo, do meio em que Michelle vive, é preconceituosa.
O extremismo de direita é sustentado por seus preconceitos. Contra gays, negros, indígenas e todos os diferentes. O fascismo é homófobo, xenófobo, misógino e racista.
Michelle já participou de encontro de gays que se dizem bolsonaristas. Mas pastores neopentecostais da sua religião não querem saber de gays.
O pastor Silas Malafaia já disse, em público, que os gays se ofendem quando são chamados de doentes. Porque ele acha que gays são doentes.
Rodrigo Malafaia, sobrinho do pastor Malafaia, é rejeitado pelo tio por ser gay. Deputados bolsonaristas atacam pessoas trans na tribuna da Câmara, como fez o mineiro Nikolas Ferreira.
O marido de Michelle enfrenta processos por homofobia e racismo. E já atacou a decisão do Supremo de criminalizar agressões homofóbicas, porque, segundo ele, acirra “a luta de classes”.
Bolsonaro disse que nunca teria filhos homossexuais porque todos “tiveram uma boa educação” e ele foi “um pai presente”.
Em 2020, Bolsonaro instituiu a Política Nacional de Educação Especial, para incentivar a criação de escolas e classes especializadas para pessoas com deficiência.
Os fascistas queriam segregar as crianças diferentes, para que não convivessem com as que eles consideram ‘normais’. Lula já revogou o decreto.
Esse é o bolsonarismo. E Bolsonaro é o principal nome do PL, o partido que tem Michelle como presidente da ala feminina e possível substituta do inelegível na eleição de 2026.
E Michelle é casada com Bolsonaro e, na sua própria definição, sua ajudadora.