Tragédias

Arte: Rafael Sica

Arte: Rafael Sica

Muito antes da tragédia do Titan, o Centrão se inspirou nas aventuras da OceanGate oferecidas a bilionários entediados com suas gastanças no espaço ou na superfície da Terra.

A ideia do Centrão e seus pilhardários (políticos dedicados à pilhagem do erário): levar ricaços brasileiros às profundezas da realidade nacional para ver os destroços da população de baixa renda.

Para esse aventuresco projeto turístico, o Centrão idealizou e construiu o Trintão, o submersível que vai fundo na exploração dos cofres públicos.

(O nome da embarcação foi inspirado nos trinta dinheiros de Judas. O aumentativo deve-se à correção monetária para valores atuais. Judas, como todos sabem, é o padroeiro dos traidores da nação, aqueles que legislam em causa própria.)

A diferença entre o Titan e Trintão é de tamanho: enquanto o Titan leva apenas cinco passageiros, o Trintão tem capacidade para milhares de endinheirados. E ao contrário do Titan, a bordo do Trintão não faltam o espaço, o conforto e os prazeres que os afortunados gozam aqui em cima.

Acontece que, enquanto o povo já se acostumou a viver sob pressão no fundo do poço, a elite nacional tem dificuldade em imaginar o que seja passar sufoco. Por isso o Centrão sempre se apressa para votar contra quaisquer projetos que afetem a brisa da classe dominante ou que pretendem diminuir a profundidade do abismo social em que vivem nossos miseráveis.

Daí, na mais recente viagem aos antigos escombros dos naufragados econômicos do país, o susto que passaram os privilegiados a bordo do Trintão. É que enquanto a embarcação descia, o PIB subia. Pouco, é verdade: nem borbulhas do animador índice foram vistas nas escotilhas.

Mas bastou esse resultado positivo para disparar o alarme no mercado, que faz parte da engrenagem dos motores do Trintão. Com o PIB em alta, certamente alguns pobres viriam à tona respirar. Impensável ascensão. Vai que algum esfomeado arranhasse o casco do submersível e provocasse alguma rachadura? Que horror!

Por alguns dias, o Trintão ficou desaparecido lá embaixo, sem comunicação alguma. Mas a mobilização do Centrão logo atraiu recursos pro resgate. Assim, com os lastros financeiros recuperados, o Trintão retornou ao suportável nível do mar de felicidade.

No fim, ao contrário da tragédia do Titan, o desastre nacional que o Centrão promove não ganha nem manchetes da nossa mídia. E ao que tudo indica, o Centrão, essa poluição ética em nossas democráticas águas, levará centenas de anos para se decompor.

FRAGA é colunista mensal do Jornal Extra Classe