OPINIÃO

A importância dos estudos de gênero na docência da educação infantil

Por Edla Eggert / Publicado em 31 de outubro de 2023

A importância dos estudos de gênero na docência da educação infantil

Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

Por que estudar temas referentes às relações de gênero é importante na formação continuada de docentes da educação infantil?

É no contexto das conquistas dos movimentos feministas, que os estudos sobre as relações de gênero entram em cena nos debates acadêmicos e, consequentemente, a produção e a divulgação desse conhecimento têm sido, aos poucos, debatidas na sociedade como um todo.

Estudos indicam que nas tarefas cotidianas da docência é que os temas de gênero e sexualidade e incluo aqui também as relações étnico-raciais se apresentam, muitas vezes sem que a escola esteja preparada para enfrentar o tema cientificamente.

As e os profissionais da Educação sabem que é na escola que as crianças iniciam a socialização com um mundo mais diverso e, em países como o nosso, também desigual, por vezes diferente do mundo da vida familiar.

No ano de 1986 a historiadora estadunidense Joan Scott, publicou um dos artigos mais divulgados em diferentes línguas que, no Brasil, chegou por meio da tradução da professora Guacira Lopes Louro, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), publicado duas vezes na Revista Educação e Realidade (Scott, 1990; 1995).

O estudo sobre as relações de gênero entre as condições normativas da feminilidade e da masculinidade analisa o determinismo biológico, as diferenças sexuais entre homens e mulheres e concentra-se na questão sobre como acontecem as relações entre homens e mulheres, mulheres e mulheres, homens e homens, ou seja, estuda as marcas no processo de aprender a ser homem e aprender a ser mulher desde o seu nascimento.

As conclusões que os estudos demonstraram até hoje é que essa aprendizagem é desigual e em grande medida subjugadora para com as construções do ser mulher. Coincide com o que a educadora brasileira Nísia Floresta já no ano de 1832 sinalizou com sendo uma educação atrofiada ofertada para as meninas para serem mulheres pouco autônomas, frívolas e dependentes.

Quase um século depois, em 1949 na França, é publicado o livro O Segundo Sexo, da filósofa Simone de Beauvoir que sentenciou a frase “não se nasce mulher, torna-se mulher” e hoje em dia podemos acrescentar também que não se nasce homem, torna-se homem.

É importante salientar que grande parte dos feminismos têm se utilizado dos estudos de gênero para desconstruir verdades fundamentadas na sociedade por quem se opõe a esses movimentos, que é o patriarcado.

A categoria de análise das relações de gênero e sexualidade foi um dos desdobramentos dos estudos feministas que chamou a atenção frente aos grupos conservadores, quando essa temática foi adotada pelas conferências mundiais organizadas pela ONU a partir da quarta conferência em Pequim no ano de 1995. É a partir desse ano que se inicia a contraofensiva frente aos temas de gênero e sexualidade, pois eles passaram a ser pauta internacional nos eventos financiados pela ONU ficando muito mais visíveis.

No Brasil de hoje, assim como em boa parte da América Latina, essa contraofensiva gerou uma espécie de sentinelas do patriarcado ou do que Betina Torriani (2020, p.105) chama de “ideologia de gênero do patriarcado” que alista ativistas para gerar o “pânico moral” frente às lutas que historicamente foram apresentadas pelos movimentos feministas (o movimento político e social de mulheres).

Os defensores da ordem patriarcal tentam frear as conquistas, bem como as denuncias de quase um século sobre a violência doméstica, a desigualdade salarial, a violência sexual no mundo privado contra mulheres e crianças, as violências de gênero no mundo político, as violências sexuais consentidas em tempos de invasões entre países nos conflitos armados e nas guerras, o tráfico de pessoas, a criminalização do aborto dentro dos parâmetros legais já discutidos e legislados, e outras tantas violências também contra a população LGBTQIA+.

Essas lutas pela dignidade de todos esses segmentos, têm sido confundidas pelas pautas do pânico moral por parte de sentinelas que tentam a imposição do silêncio, do medo por meio de linchamentos midiáticos.

Esse é o desafio junto ao processo formativo na docência para a Educação Infantil, porque ainda não possuímos educação continuada sistemática sobre esses temas para o corpo docente da educação infantil.

Edla Eggert é professora da Escola de Humanidades PUCRS e pesquisadora CNPq.

 

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