OPINIÃO

Conae 2024 e Conferência Nacional das Juventudes reafirmam a educação como direito

Por Gabriel Grabowski / Publicado em 7 de fevereiro de 2024

Foto: José Cruz / Agência Brasil

Mais de 2,5 mil pessoas participaram da Conae 2024, representando a sociedade civil, entidades que atuam na educação e órgãos do poder público, com destaque para a participação de educadores e estudantes

Foto: José Cruz / Agência Brasil

 

A educação continua sendo o grande desafio histórico brasileiro. Após seis anos de interrupção de um processo democrático e participativo, de 28 a 30 de janeiro de 2024, realizou-se o maior evento de participação social do campo da educação: a Conferência Nacional de Educação (Conae-2024), na Universidade de Brasília (UNB).

Estiveram presentes mais de 2,5 mil pessoas, representando a sociedade civil, entidades que atuam na educação e órgãos do poder público, com destaque para a participação de educadores(as) e estudantes.

A Conferência Nacional foi organizada pelo Fórum Nacional de Educação (FNE) – que conta com 64 entidades – e pelo Ministério da Educação (MEC), em conformidade com o estabelecido na Portaria 478, de 17 de março de 2023.

Durante o segundo semestre de 2023 ocorreram as conferências municipais e estaduais em todo o Brasil, discutindo uma série de temas e escolhendo os delegados e representantes para esta Conae de 2024.

O documento aprovado e em fase final de consolidação será referência obrigatória para orientar o projeto de lei do novo Plano Nacional de Educação (PNE) de 2024-2034 a ser elaborado e enviado pelo atual governo ao Congresso Nacional.

Os participantes da Conferência protagonizaram uma sólida avaliação das causas e consequências do descumprimento do PNE vigente (2014-2024) e reafirmaram a educação enquanto direito de todos e responsabilidade do Estado, das famílias, com a colaboração da sociedade brasileira.

Propostas aprovadas nesta conferência nacional

  • Revogação do Novo Ensino Médio (NEM) e substituição por um novo projeto em tramitação no Congresso (PL 2601/2023 e PL 5230/2023);
  • Revogação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e substituição por um novo projeto curricular a ser construído;
  • Revogação da BNC-Formação, política de formação de professores que deve ser substituída pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para as licenciaturas;
  • Universalização da pré-escola a partir dos 4 anos, do Ensino Fundamental de 9 anos e garantia de educação para toda a população até 17 anos;
  • Triplicar matrículas da educação profissionalizante no Ensino Médio;
  • Educação de tempo integral (sete horas) para pelo menos 50% dos estudantes; Padrões de qualidade para a educação a distância;
  • Implantação efetiva do custo aluno-qualidade, patamar mínimo a ser investido considerando critérios de qualidade de ensino e não o orçamento disponível;
  • Investimento de 10% do PIB em educação.

As próximas etapas

Começam agora as batalhas decisivas junto à finalização do novo Plano Nacional de Educação para envio ao Congresso Nacional.

A batalha no parlamento será intensa para garantir a destinação de 10% do PIB para a educação, aprovado nesta Conae de 2024.

O PNE que esteve em vigor entre 2014-2024 já previa esta meta de 10% do PIB para a educação pública, mas, de acordo com o texto, a ideia era chegar a 7% em cinco anos e depois a 10% em dez anos. Isso não ocorreu. Segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, o Inep, o Brasil investiu na educação pública em 2022 o equivalente a 5%, bem abaixo da meta do PNE vigente.

O Brasil, devido ao passivo histórico de não ter investido na educação durante seus primeiros quatro séculos e meio, apresenta uma das maiores demandas educacionais do mundo.

Quase metade de nossa população de crianças, adolescentes, jovens e adultos tem este direito à educação negado, negligenciado ou precarizado. Mais de 50% dos adolescentes não concluem o ensino médio e apenas 18% dos jovens de 18 a 24 acessam a universidade na idade adequada.

Portanto, investir 10% do PIB na educação é a principal estratégia de inclusão dos estudantes pobres, considerando nossas desigualdades e racismo estrutural.

É aí que, justamente, se apresentam, de forma contraditória, os interesses do capital, das elites e do Congresso conservador, negando esta ampliação de recursos para a educação e a pesquisa.

Do orçamento de 2024, recursos foram reduzidos nas Universidade Federais para ampliar o Fundo Eleitoral com vistas às eleições municipais de 2024. A sociedade precisa reagir.

Qual é a prioridade: R$ 5 bilhões para educação ou para fundos eleitorais?

Além do descumprimento das metas do PNE atual, tanto a União como os demais entes da federação – estados e municípios – descumpriram e descontinuam seus Planos de Educação, deixando de investir os percentuais constitucionais previstos para a educação.

Sabedores disto, no eixo do financiamento, os delegados da Conae 2024 aprovaram uma meta para o chamado Custo Aluno-Qualidade Inicial (Caqi), um indicador que mostra, em valores financeiros, quanto deve ser investido ao ano, pelo Estado, em cada aluno da educação básica.

Segundo estimativas dos coordenadores dos trabalhos, atualmente, cada aluno recebe, em média, R$ 6 mil anuais de investimentos, por meio do Fundo Nacional da Educação Básica (Fundeb). Se o Caqi for regulamentado pelo Congresso, esse valor pode chegar a R$ 12 mil por ano, dizem fontes, conforme a destinação dos 10% do PIB para a educação.

Críticas já foram disparadas contra a proposta de 10% do PIB para educação aprovadas na Conae.

O editorial Educação a sério, do jornal Folha de S. Paulo, do dia 2 de fevereiro último,  representando os interesses das elites, considerou como uma “meta farsesca”.

A Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca), composta por pesquisadores renovados sobre o financiamento da educação, reagiu ao editorial e reafirmou que o “Brasil possui riqueza para realizar a aplicação de valores equivalentes a 10% do PIB em educação pública e que “é chegada a hora de priorizar a Educação no processo de desenvolvimento social e econômico do Brasil”.

E prossegue a Fineduca: “até quando o Brasil terá que esperar para iniciar, seriamente, a priorização da educação de sua população? Se nada for feito nas próximas décadas, diversas gerações poderão ser consideradas perdidas educacionalmente, reproduzindo a histórica exclusão social e educacional”. Por isso, a hora de virar a chave é agora, com o respaldo do PNE (2024-2034).

Em dezembro de 2023, também foi realizada em Brasília, a 4ª Conferência Nacional de Juventude, com o tema: Reconstruir no Presente, Construir o Futuro: Desenvolvimento, Direitos, Participação e Bem Viver. “O jovem tem direito à participação social e política e na formulação, execução e avaliação das políticas públicas de juventude”.

Nesse sentido, doze resoluções, uma por cada eixo, foram aprovados, abordando os diversos direitos das juventudes em consonância com a Política Nacional de Juventude e o Estatuto da Juventude, além de 18 moções sobre diversos temas.

No eixo 2,  Do direito à educação, foram aprovadas três propostas na perspectiva de:

  • Instituir um Plano Nacional contra a evasão escolar, de forma a garantir políticas de acesso e permanência estudantil em todos os níveis de ensino, por meio da efetivação do Plano Nacional de Assistência Estudantil no ensino superior, incluindo estudantes bolsistas do Prouni e do Fies e demais estudantes de universidades privadas;
  • Fortalecer as políticas de educação escolar indígenas (com produção de materiais didáticos específicos e bilíngues) e a educação no e do campo e nos territórios de povos originários, povos e comunidades tradicionais, por meio da ampliação das escolas e de campi universitários no interior, com maior diversidade de cursos ofertados e,
  • Criar comitês de acompanhamento e fiscalização do Novo Ensino Médio, de forma conjunta, entre a sociedade civil e o governo, buscando implementá-lo como um espaço de escuta, de forma que os estudantes tenham autonomia e participação nas tomadas de decisão, valorizando o diálogo e o processo democrático.

Ainda, referente ao ensino médio, aprovou-se recriar a Formação Geral Básica (FGB) de 2.400 horas, além do fortalecimento e da expansão do modelo dos Institutos Federais (IFs) que ofertam a educação profissional integrada ao ensino médio, sendo a rede com melhor desempenho escolar no país.

Para os estudantes inseridos/as no mundo do trabalho, oportunizar a oferta de ensino noturno de qualidade, incluindo a matéria de língua espanhola como obrigatória, garantindo 2.100 horas de FGB  para as EPTs (Educação Profissional e Tecnológica), fim do notório saber e dos itinerários formativos.

No eixo 3, do direito à profissionalização, ao trabalho e à renda, o binômio trabalho e educação permanece figurando como preocupação relevante para a juventude, evidenciando suas angústias, sofrimentos e preocupações com o futuro.

A pandemia produziu e ampliou impactos irreversíveis na inserção profissional e na formação da juventude brasileira.

Neste contexto, as juventudes participantes da 4ª Conferência rejeitaram “regras trabalhistas que empurram os jovens para a informalidade e o desemprego” e afirmaram que “o melhor programa social que existe é o emprego”, colocando como prioridade o aumento da empregabilidade dos/as jovens, de maneira a garantir novas oportunidades de trabalho e crescimento profissional.

Mesmo com o descumprimento das metas dos planos de educação vigentes, com as resistências conservadoras no congresso nacional, com os interesses privados disputando os fundos públicos e com o atravessamento de forças contrárias à oferta de educação pública de qualidade para as juventudes brasileiras, é preciso sonhar, esperançar e lutar pela educação enquanto direito humano fundamental.

É necessário, também, ampliar a frente nacional por um projeto democrático, justo e igualitário, com soberania para o nosso Brasil.

Gabriel Grabowski é professor, pesquisador e escreve mensalmente para o jornal Extra Classe.

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