OPINIÃO

O desmonte do atendimento em saúde mental em Porto Alegre

Por Maria Alzira Grassi / Publicado em 28 de maio de 2024
O desmonte do atendimento em saúde mental em Porto Alegre

Foto: Maria Alzira Grassi/ Acervo Pessoal

“Privar pessoas de acesso aos seus direitos de saúde mental é inaceitável”

Foto: Maria Alzira Grassi/ Acervo Pessoal

No fim de semana fiz uma visita ao Plantão de Emergência em Saúde Mental (PESM) do Pronto Atendimento Cruzeiro do Sul, serviço pertencente à Coordenação Municipal de Urgência da Secretaria de Saúde de Porto Alegre. Encontro a Sala de Observação superlotada como sempre.

Fui abraçar meus colegas e um paciente perguntou se eu era psicóloga e se poderia falar comigo. Eu não era mais psicóloga daquele local, onde trabalhei por 22 anos. Fiquei confusa em responder: sou, mas não trabalho mais aqui. Estou aposentada.

Ele baixou a cabeça, frustrado, e uma indignação subiu à minha cabeça. Por que ele não poderia ser atendido por uma psicóloga, estando numa emergência de saúde mental? Por que não há mais psicólogas no PESM.

Eram cinco. Para onde foram essas vagas?

Por que há psicólogos do último concurso para serem chamados e ainda não foram nomeados ao PESM? O que este não dito quer dizer? Que incongruência é essa?

Porto Alegre tem duas emergências em saúde mental. O PESM IAPI é terceirizado e não tem psicólogos também! O PESM da Cruzeiro só não foi terceirizado porque teve mobilização do Controle Social.

Gerir de modo privado o que é do Estado é uma distorção perversa e perigosa.

O trabalho da psicologia é imprescindível e insubstituível no acolhimento ao sofrimento psíquico.

Não preciso falar? Preciso. Vivemos em tempos de falar o óbvio.

Se existe concurso renovado por mais dois anos para psicólogos e não chamam é uma decisão de (indi)gestão.

Os trabalhos voluntários são importantes? Muito. Claro que sim, mas não substituem a qualificação de um psicólogo servidor público, compromissado com seu ofício e que presta contas a um Conselho Regional da Psicologia que regulamenta e fiscaliza a profissão.

O trabalho do SUS preconiza a atenção integral e multiprofissional.

Privar pessoas de acesso aos seus direitos de saúde mental é inaceitável.

A Secretaria Municipal de Saúde deve explicações sobre o não chamamento de psicólogos nas duas emergências em saúde mental da capital. Mais do que nunca, sua população precisa de acolhimento ao seu sofrimento acentuado pela tragédia das enchentes que agrava fortemente a saúde mental.

E justamente os casos de vítimas da tragédia que estão nos abrigos, começam a chegar para atendimento.

As práticas manicomiais estão para além dos muros dos hospícios.

Gestões desumanizadas e privatistas funcionam mais como escritórios de interesses econômicos do que de cuidado com suas populações desoladas e abandonadas nas suas necessidades essenciais.

Na foto que ainda resiste em uma das paredes do PESM, um pôr do sol esquálido testemunha a história/memória que querem apagar.

Maria Alzira Grassi é psicóloga, servidora pública de Porto Alegre, aposentada.

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