Foto: César Fraga - Ascom Sinpro/RS
Foto: César Fraga - Ascom Sinpro/RS
A poucos dias assisti ao filme premiado A sala dos professores, obra intrigante que reúne uma série de elementos sociais, emocionais, éticos e morais… mas é de uma sala de professores que já foi bem mais presente que pretendo falar.
Das grandes perdas que marcaram o período da pandemia, um vazio sensível, embora pouco dizível, restou nas salas dos professores.
Recordo-me delas em seus momentos de glória, em momentos que precediam as aulas, ou no intervalo delas, tantas conversas leves, revigorantes, boas risadas e, outras tantas vezes, agitada por profundos debates, das mais diversas áreas. Por vezes comentários sobre as dificuldades com turmas, ou alunos. Enfim, um oásis existencial onde as identidades se construíam, afirmavam, renovavam.
Garanto que não é preciso esforço aos colegas docentes para recordarem-se das primeiras vezes em que foram acolhidos pela sala dos professores. Inquestionável a sua importância na construção do “ser professor”, projeto existencial que nunca termina e que, naquele espaço, encontrava moldes a serem seguidos.
Mas vieram os tempos diferentes, de isolamento, nos reinventamos, nos reconstruímos… e ainda estamos em processo de adequação. O discurso tem sido da necessidade de sermos mais adaptáveis, mais resilientes, mais tecnológicos. São muitos os cases a serem seguidos, mas todos tão artificiais quanto a “inteligência” que cada vez ganha mais espaço, muito distantes da materialidade da sala de professores.
De outra parte, escola e universidade têm buscado se situar, entre aquilo que historicamente representou e a liquidez dos novos tempos. Tempos de virtualidade, de ceder para sobreviver.
Neste novo contexto, das dificuldades econômicas das escolas e universidades, das salas virtuais, distanciamo-nos do glamour daquele espaço sagrado da docência. Agora, apesar das salas desocupadas que se multiplicam, não há espaço para a sala dos professores.
Isso me leva a, pelo menos, duas constatações.
Primeiro, é que retornamos da pandemia mais tendenciosos ao isolamento, menos identificados uns com os outros, mais preocupados com nossos próprios espaços e conceitos, mais líquidos nas relações e na perspectiva de futuro. Decorre daí, conforme pesquisas têm demonstrado, o fato de os novos professores universitários, por exemplo, não se virem nesta atividade a longo prazo, não almejando o magistério como atividade definitiva, apesar de, quase sempre, gostarem muito de estarem como acadêmicos.
Uma segunda conclusão a que chego é que pode haver o interesse em não fomentar, ou mesmo desconstruir, esse espaço poético, mas também político, de articulação e fixação de pautas e posições.
Não é difícil entender que, se cada vez menos os professores se articularem em grupos, também a pressão exercida sobre as entidades mantenedoras das instituições que lhes empregam, sejam públicas ou privadas, diminuem, situação que agrada a esses grupos.
Resulta disso a maior fragilização dos trabalhadores e trabalhadoras e das relações de trabalho. Obviamente que, no mesmo contexto da fragilização dos órgãos de representação de categorias, como os sindicatos, também o desestímulo, ou dificuldade, em manter as salas dos professores, faz parte de um projeto.
Enfim, as ágoras da maestria acadêmica encontram-se em crise e com elas a identidade do professor e os projetos políticos que aí se construíam e alimentavam. Por falar de projeto, talvez deva ser esta uma pauta a ser defendida pelos órgãos de classe, justamente a luta pelo estímulo e reinstalação desses espaços sagrados da docência, a sala de professores.
Jean Menuzzi, graduado em Filosofia, mestre e doutor em Direito, é professor da Universidade Regional Integrada (URI), campus Frederico Westphalen, e policial civil.