Arte: Rafael Sica
Arte: Rafael Sica
A vida, que já anda onerosa para os vivos (só os mais vivazes e vivaldinos vivem bem), agora já aperta o cinto dos mortos. Um deles, padecendo de agruras financeiras após a morte, foi levado a um banco para tentar aliviar a penúria do além. (Antes, morriam de tanto pagar prestações dos empréstimos.)
O gerente da instituição foi rápido na análise da situação: ao ver que o morto recusava assinar o pedido, indeferiu a solicitação. O funcionário achou a operação arriscada demais. Fez bem ele: imagine favorecer alguém cuja linha da pobreza está lá embaixo, a sete palmos. Esse gerente de visão vai longe na carreira.
Diante dessa investida mortal para o faturamento seguro, os bancos correram a consultar a Febraban. Fizeram muito bem: ela é a sua entidade maior, a imbatível defensora de todos os lucros bancários pela eternidade afora. O conselho, obviamente protetor, veio em duas palavras: Nunca! Jamais! (Percebe-se aí alguma influência do espírito de Edgar Allan Poe que, aliás, viveu sempre endividado e maltratado pelos bancos americanos, que só lhe respondiam never more).
Com a cautelosa decisão da federação nacional dos bancos, eles se negam a conceder quaisquer empréstimos a defuntos. E, vigilantes que são, nem a pessoas em coma, em estado vegetativo ou apenas portadoras de catalepsia darão atenção. Ao contrário: vão instalar na entrada das agências detectores de cadáveres, ou de qualquer um que não respire mais. Fazem bem, ora essa. crédito
E como Deus fecha uma porta, mas sempre abre pelo menos um alçapão, agora são as funerárias que cogitam essa nova fatia de mercado. Elas se consideram, com toda razão, o ramo empresarial que melhor conhece essa clientela. Reconhecem que lhes falta nourrau sobre os juros nos empréstimos, porém confiam no seu tino comercial. Afinal, sabem exorbitar ao máximo os preços dos caixões e serviços funerários. Fazem bem: cliente morto não chora. crédito
Com a oportunidade desse negócio paralelo, as funerárias do país se animam. Atentam, inclusive, para as possibilidades de atendimento de clientes falecidos há muito tempo, sejam múmias ou não. Mortos milionários ou célebres seriam aceitos como avalistas, uma garantia que os bancos nem vislumbraram. A Associação dos Fabricantes e Fornecedores de Artigos Funerários (AFFAF) saberá tirar proveito dessa nova área, quem sabe, mais lucrativa que os próprios óbitos.
Neste cenário animador, não faltam descontentes: os crematórios. Não há como emprestar dinheiro para alguém tão queimado no mercado.
* FRAGA é colunista mensal do Jornal Extra Classe.